terça-feira, 27 de outubro de 2009

Luz, câmera, ação! Mas e o som?

Se existe uma área que é injusta e consistentemente negligenciada no set de filmagem, essa área é o som. Ninguém presta atenção naquele cara que vagueia com o microfone na mão… até que você esteja fazendo sombra em algum lugar que não deveria. Nas últimas duas semanas, esse cara era eu.
Comecemos pelo fato de que o AFI não tem uma disciplina de som. Isso significa que praticamente todas as funções do set são exercidas por pessoas extremamente capacitadas na sua área, enquanto o som fica a cargo de uma boa alma que normalmente não estaria no set, mas que sabe-se lá porque se sujeitou a ajudar as outras equipes. Isto é, roteiristas e editores.
Nos curtas que estamos gravando este ano, a equipe de câmera é composta de pelo menos seis pessoas: diretor de fotografia, operador de câmera, assistente de câmera, gaffer, key grip e swing.
A equipe de som é composta por dois “caras”.
O equipamento de luz ocupa um caminhão inteiro, mas é claro que o que está sempre no caminho é nossa maleta de som e o boom, que ninguém nunca sabe onde foi parar. Nem os cabos de som são dignos de uma maleta exclusiva e precisam dividir a o espaço com os cabos de vídeo. Na nossa maleta, um microfone unidirecional e um lapela com fio. Microfones sem fio ainda são modernos demais.
Apesar de tudo conspirar contra, a primeira experiência como operador de boom no curta Broken Branch foi incrível. Mas precisamente, foi hilária. A equipe de câmera tinha lá seus trinta minutos para preparar a cena. Ai de nós do som se não estivéssemos prontos na hora em que a câmera estivesse posicionada.
Primeira cena: um diálogo entre um mecânico e um advogado em um escritório minúsculo. Todas as janelas fechadas, três refletores apontados para nós, seis pessoas respirando (sempre que possível), sem contar a câmera e a dolly. Chegam os caras do som. No caso, nós. Penso comigo: “Nossa, essa cena vai ficar sensacional na tela. Mas já pensou que demais se a gente também pudesse OUVIR o diálogo?” Aparentemente somos os únicos com esse pensamento revolucionário.
Temos que nos encaixar onde sobra espaço, isto é, embaixo da mesa. O microfone está a quilômetros do ator. Informamos ao diretor que o som não está bom… e aí vem o clássico: “depois a gente dubla”. É ótimo ouvir isso depois de parecer um contorcionista tentando captar o melhor som. Evidentemente, no dia seguinte todo mundo esquece desses detalhes, e o produtor informa: “o editor disse que o som da primeira cena está muito baixo”. “Sério?! Tivemos tanto tempo pra nos preparar… Quem iria imaginar uma coisa dessas!”
Essa dinâmica continua ao longo do dia, com algumas variações. A maior parte do tempo, porém, estamos esperando a cena ser montada… enquanto enrolamos cabos. Se tem uma coisa que aprendi no set foi a enrolar cabos.
Entre uma cena e outra, converso com a australiana supervisora de roteiro, que tem o excitante trabalho de anotar todas as cenas, takes e timecodes, e cuja principal atividade no set, assim como eu, é… esperar. Aproveitamos o tempo parar tirar sarro do (inexistente) craft service, que está sendo feito por um aluno do curso de produção.
“A equipe está derretendo. Precisamos de água no set” - anuncia o assistente de direção no walkie-talkie. Vem a resposta: “A água acabou. O fulano já foi comprar.”
Hora do almoço. Cadê os pratos? Minha colega australiana cai na gargalhada: “Meu Deus! Não temos pratos! Será que ele vai conseguir resolver isso sozinho? Talvez seja demais pra ele.” Ela tinha razão… O responsável pelo craft service, DE FATO, pede minha ajuda:
- “Você fala espanhol?”
- “Não, eu falo português.”
- “Mas você sabe falar espanhol, não sabe?”
- “Sei, por quê?”
- “Vem comigo!”
Sou arrastado até a lojinha ao lado para solicitar, em espanhol, alguns pacotes de pratos descartáveis. Até agora não entendi da onde ele tirou a ideia de que a atendente não falava inglês…
A comida é colocada na mesa. Sob um sol de 40 graus. Um dos membros da equipe de câmera que carregou escadas e tripés o dia todo ajuda a carregar as cadeiras.
- “Não podemos colocar essa mesa ali na sombra?” – ele pergunta ao produtor.
- “Não, ali já é a propriedade daquela senhora.”
- “Mas não podemos pelo menos perguntar? Eu mesmo vou lá, posso?”
- “Na verdade, não.”
- “Ah é? Então também não posso carregar essas cadeiras!”
Ele parte, faminto, sedento, suando e agora também irritado.
Eu, minha colega e o ator observamos a cena, contendo o riso. Ela começa a se servir de arroz. “Não tem colher de servir?”. Não, não tem. Ela se serve pacientemente com uma colher de sobremesa. “Desculpe pessoal, vai demorar um pouco.” 
Comida no prato, viramos para trás… e a mesa foi embora! Olhamos um para o outro e caímos na gargalhada. Descobrimos que a mesa foi levada para o jardim na frente da casa, onde há sombra. Conduzimos o ator até lá. Sentamos… e onde estão os talheres? Com medo de pedir qualquer coisa, o ator contenta-se em cortar a carne com uma colher. A essa altura, ninguém mais consegue comer de tanto rir. Vou até o outro lado da casa e volto com facas. Pouco depois, chega o cooler com águas e refrigerantes, quentinhos, recém-colocados no gelo, prontos para matar nossa sede.
Inexplicavelmente, lá estou eu, na semana seguinte, no set de Guttersnipes, prestes a exercer a mesma função de operador de boom. O filme conta com uma personagem autista que repete a fala “Where’s mommy?” trezentas e oitenta e seis mil vezes. Em cada take. A locação é um beco no centro de Los Angeles. Um lugar lindo de se ver… terrível de se cheirar.
Já no primeiro dia, eu e meu novo sound mixer nos perdemos no caminho da base até o quarteirão onde a cena seria filmada. Olho para um lado, uma modelo, frente a uma parede toda pichada, posando para um fotógrafo. Viramos a esquina e lá está um grupo de pessoas com refletores e uma câmera… mas não, não é a nossa equipe. Voltamos, viramos a direita… e lá estão eles. Não, espera! É OUTRA equipe! Voltamos para a base e membros da nossa equipe limpam o sangue fictício na calçada, usado para uma OUTRA filmagem no dia anterior. Me dou conta de que estou em Los Angeles e que a cada rua pode haver uma equipe de filmagem… e de que o mais bizarro ainda está por vir.
Uma hora da manhã. Estamos prestes a filmar a cena mais intensa do filme quando, de repente, um carro de polícia passa devagar pela rua. Minutos depois, outro. E outro. E então, um helicóptero rasante começa a rondar o quarteirão com um holofote, praticamente apontado para nós, até que uma voz grita em um megafone: “Fulano de Tal. Renda-se agora! Você não tem para onde fugir!”
Aí já é demais. Recolhemos todo o equipamento e encerramos o dia de trabalho. Três dias depois, terminam as filmagens e meus dias de escravidão voluntária no set.
Ficam as lembranças das aventuras no set… e a certeza de que sou mais feliz sentado no meu computador, criando todo esse universo que um dia um grupo de pessoas incrivelmente esforçadas fará de tudo para tornar realidade.