domingo, 3 de junho de 2018

Fale comigo

Pense na última pessoa com quem você se comunicou.
A menos que ela estivesse na sua frente, é provável que você tenha mandando um e-mail, uma mensagem no WhatsApp, marcado em algo no Instagram; pode ter sido um post no Twitter para ninguém em específico, um textão no Facebook, um áudio de oito minutos ou um meme de oito palavras. Seja qual for o formato, acho fascinante observar a agilidade com que a nossa comunicação se transforma.
Há pouco tempo, meu pai, de 88 anos, gravou um vídeo para enviar à sua irmã, de 91, que mora na Itália. “Onde eu nasci não tinha luz elétrica. Não me conformo como as coisas são tão fáceis hoje...”
Por outro lado, como alguém que tem as palavras como parte fundamental da profissão, confesso que acho um pouco assustador como a agilidade na comunicação vai assassinando a Língua Portuguesa. É como se vírgulas fossem sempre opcionais, assim como O Uso Da caixa ALTA, e como se todos os acentos tivessem desaparecido com a “regra nova”: aquela instituída na década passada. Isso sem falar nas abreviaturas e nas trocas aleatórias de letras (pq essa diskriminassaum c/ a letra C?).
Outro dia minha sobrinha tirava sarro da minha irmã, que não tinha entendido uma mensagem:
- Como assim você não sabe o que é ttyl? Você precisa aprender a mandar mensagem de texto.
- E você precisa aprender Português...
- O que vocês estão estudando em Língua Portuguesa na escola? – perguntei.
- Ah, aquela coisa de adjunto adverbial, complemento nominal... Sei lá.
- Aprende direito o Português porque isso vai fazer muita diferença na sua vida, seja lá qual for a sua carreira – aconselhei eu.
- Eu vou morar fora, não faz diferença – devolveu, com a sagacidade de uma geração que já nasceu conectada. Se isso fosse uma mensagem, minha resposta seria um emoji sarcástico.
Mas de todas as maneiras que interagimos atualmente, a que mais me faz refletir são os áudios do WhatsApp. Graças a eles, posso almoçar acompanhado de alguém que está no Canadá ou dirigir como se houvesse alguém no banco do passageiro. Se me dissessem há cinco anos que uma das formas mais comuns de comunicação no futuro seria o equivalente a uma troca de recados na caixa postal, eu daria risada. Tudo o que nos esforçamos no passado para ser instantâneo, agora submete-se ao tempo do outro: vou ouvir o que você tem a dizer no momento que EU quiser. “Como assim fulando está me ligando?!”
Uma eterna discussão pode surgir acerca do efeito dessa forma de comunicação entre as pessoas, mas uma coisa me parece certa: ela está nos forçando a ouvir. Quando recebo uma mensagem de áudio, não posso interromper a fala do outro, não posso direcionar seu pensamento, não posso julgar com o olhar: só o que posso fazer é escutar, é respeitar seu ritmo de fala e pensamento para só então me posicionar.
E isso é indiscutivelmente um grande presente da tecnologia.
Meu companheiro de almoço.