sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Colaborando com o inimigo


Vinte e quarto de agosto. Primeira semana de atividades no AFI.
Para nossa primeira atividade, somos divididos em pequenos grupos, cada um com seis diretores, seis produtores e seis roteiristas, monitorados por um professor de roteiro. Cada um de nós com duas idéias para um curta metragem. Começamos a apresentar nossas ideias. Tem de tudo:
- “A minha ideia é sobre pessoas fantasiadas de gato, disputando alguma coisa em um beco da cidade”.
- “A minha é sobre quatro homens de um lado da parede puxando cordas, sem saber o que tem do outro lado”.
- “Eu pensei em uma história em que a mulher do cara some, aí todo mundo que vai procurar a mulher some também…”
E por aí vamos…
Ideias apresentadas, temos alguns minutos para formarmos equipes contendo um membro de cada disciplina e escolhermos uma das ideias.
Um diretor se aproxima: “Cara, gostei da sua ideia!”
Eu: “Jura?”
Uma produtora vagueia sem uma equipe.
Diretor: “Ei, quer juntar-se a nós?”
Produtora: “Qual ideia vocês vão fazer?”
Diretor: “A do Filipe. A primeira”.
Produtora: “Eu gostei mais da segunda.”
Silêncio.
A essa altura, todos já estão divididos em equipes. Somos sua única opção…
Sentamos à mesa e, emlpolgados, começamos a desenvolver minha primeira ideia: “ao descobrir que a neta está grávida, um senhor de 70 anos começa a construir uma casa na árvore, contra o desejo da filha, e nesse processo acaba reencontrando a criança que ainda vive dentro de si.”
- “Mas por que eles moram todos juntos?”- começa um.
- “Onde está o marido da neta?”- continua o outro.
- “E o genro? E a mulher do velho?”- indaga o primeiro
- “Qual o objetivo dele? Onde está conflito?”
- “Tem mesmo que ser filha e neta?”
- “Bom, acho que não necessariamente…”- respondo, humildemente.
Surgem todas as opções possíveis, até que a produtora brinca:
- “Ao invés de mãe e filha, elas poderiam ser um casal!”
Os olhos do diretor brilham: “Ótima ideia!!! Inclusive a filha pode ser bem masculina e a namorada bem feminina, aí o velho dá em cima da namorada…”
Tento interferir, mas ele está empolgado demais:
“… aí a primeira cena pode ser elas fazendo sexo com o amigo gay que funciona meio como um doador de esperma…”
Tempo!
“Peraí, pessoal… – interrompo, educadamente. “A história é sobre um velho construindo uma casa na árvore. Sei lá, mas acho que começar o filme com uma cena de sexo grupal não tem muito a ver… não?”
Segundo meu diretor, tem. Longos debates se seguem. Acabo sendo convencido de que o casal de lésbicas pode funcionar. Eles, com muito custo, abrem mão da cena de sexo.
Quatro dias depois, já preciso entregar a primeira versão do roteiro para apresentarmos em um pitching para os diretores de fotografia, editores e diretores de arte e então completarmos nossa equipe.
Começa a disputa pelos diretores de arte (são apenas 10, o que significa que 18 equipes terão que conseguir um diretor de arte de fora do AFI). Nossa produtora está passando o fim de semana no Canadá. Sobra para nosso diretor correr atrás dos novos membros da equipe. Tento ajudá-lo, mas descubro que minha carteira desapareceu! Era tudo que eu precisava… Rodo a escola inteira… e nada. Vou pra casa, cancelo cartões, solicito nova carteira de estudante ao AFI. “Mas já???”
Na semana seguinte, já temos uma equipe – sem um diretor de arte... Ironicamente, nenhum dos membros é americano – produtora canadense, diretor venezuelano, editora sueca, diretor de fotografia alemão e, é claro, eu.
Começam as reuniões. Nunca havia entendido porque os roteiristas, em geral, detestam reuniões. Agora entendo…
Produtora e diretor começam a se estranhar. “Diferenças criativas” seria um eufemismo. A coordenadora de produção do AFI é chamada parar mediá-los. Os dois discordam em tudo. E eu fico no meio. Se discordo de algo, sou “difícil”.  Se aceito as sugestões, “cadê sua personalidade”?
Respiro fundo e penso: “Estou aqui para aprender. E se tem algo que estou aprendendo com esse filme é a COLABORAR. Afinal, filme não se faz sozinho.”
Começo a desenvolver a história de Sebastian, Lilly e Juliet. Dois rascunhos depois, Juliet vira Julian. Mais dois tratamentos, a cena na cafeteria é descartada. Entre discussões com produtora, reuniões canceladas por desentendimentos e palestras com Steven Soderbergh, chego à versão 9.  A equipe parece finalmente estar se relacionando bem. Ninguém parece querer matar ninguém… ainda.
Apresentamos o roteiro a um professor de produção – no que eles chamam de “reunião de desenvolvimento”.  Ele diz que alguns pontos da história não estão claros. Partimos, desapontados.
O banho de água fria infla os ânimos e ressuscita antigas questões.
“Eu falei que isso não tava funcionando” – diz um.
“Ah, agora não tá bom? E aquela cena que você disse que estava ótima?” – retruca o outro.
“Esse cara não sabe de nada!” – solta um.
“Ele produziu De Volta Para o Futuro. Acho que ele sabe mais que você!”- devolve o outro.
Tentando manter minha sanidade, sugiro discutir os pontos levantados individualmente com o diretor. 
Sentamos no dia seguinte, discutimos cena a cena. Ele confessa que a pressão sobre ele é grande. Tento acalmá-lo. Digo que confio em sua capacidade. Terminamos a reunião muito animados, satisfeitíssimos com as soluções alcançadas.
Volto pra casa. A versão 10 de “The Tree House” sai do forno. Aliviado, satisfeito, mando o pdf para o diretor.
Minutos depois, ele me liga.
“Cara, preciso te dizer uma coisa. Cheguei a conclusão de que precisamos de um plano B para nossa história. Sem a casa na árvore!”
Respiro fundo, sorrio e penso: “pelo menos encontrei minha carteira”…