quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Feliz dia novo

Durante mais de 20 anos da minha vida, passei a virada do ano exatamente no mesmo lugar, com as mesmas pessoas: minha família. A casa onde tios, primos e afins reuniam-se era situada em um lugar estratégico onde era impossível ver qualquer tipo de fogos, e a proximidade com uma favela sempre deixava dúvidas sobre o teor dos estouros. Foram fogos? Foram tiros?

Havia uma superstição de que os desertores sofreriam as consequências. “Vai pra praia com os amigos? Certeza que vai chover!” “Fulana foi viajar com o namorado, acredita?! Aposto que vão terminar!” A primeira vez que passei o réveillon longe da família foi em 2007, quando fui a Fortaleza com a namorada e alguns amigos. Tenho certeza que o motivo de eu ter passado as últimas horas do ano vomitando foi o excesso de comida, e não uma maldição. O namoro terminou algumas semanas depois. 

Particularmente, nunca dei tanto peso para a data em si, talvez porque eu tenha a sorte de passar praticamente o ano todo rodeado por pessoas que gosto e de não precisar de datas definidas para reuni-las.

Ou talvez porque eu reconheça a arbitrariedade dessa data.

Em algum ponto da história, decidimos que uma posição específica da Terra em relação ao Sol seria um marco; que uma vez que nossa bola azul cruzasse essa linha de chegada imaginária, daríamos um grande reset no jogo de seus habitantes. Aí, em 1582, o Papa Greg e sua turma perceberam que estava tudo errado e decidiram dar uma ajustadinha nessa linha, puxando-a uns dez dias para trás. “Vamos pular do dia 4 de outubro direto pro dia 15?” “Bora!”

Eu não teria feito aniversário em 1582…

Cada país resolveu adotar o calendário quando estava a fim, o que levou alguns anos. Tipo uns 350. Mas não foi só isso. Para evitar novos grandes ajustes no futuro, resolveram calcular direito essa história de ano bissexto, afinal, o ano trópico não tem EXATAMENTE 365 dias, mas 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos.

(Parênteses aqui. Uma busca rápida na internet vai mostrar que são considerados dois cálculos para a duração do ano: o ano sideral, que usa as estrelas como referência, e o ano trópico, que leva em consideração as estações do ano. E, não, eles não têm a mesma duração. VAI VENDO!)

Pois bem, com esse negócio de um ano ter 365 dias, mais um quarto de dia, decidiram enfiar um dia a mais em fevereiro a cada quatro anos. Só que, de novo, esse “um quarto de dia” não é EXATAMENTE um quarto de dia. E como a gente compensa esses minutinhos que a gente está colocando de brinde a cada ano? Fácil: a gente cancela o ano bissexto a cada 100 anos, nos anos múltiplos de 100!

“Nem vem! O ano 2000 foi bissexto que eu lembro muito bem. Teve enchente, teve Olimpíada e teve 29 de fevereiro, sim!” — você pode estar pensando.

É que a coisa não para por aí: a gente cancela o ano bissexto nos anos múltiplos de 100… A MENOS que eles sejam, também, múltiplos de 400.

Olha. Que. Simples. Tudo para manter uma linha imaginária mais ou menos no mesmo lugar todo ano.

Seja como for, é fascinante pensar como ciclos arbitrários têm o poder de nos inspirar, de nos fazer refletir, de criar novas metas e ressuscitar velhos sonhos. E também de nos dar uma folga. Afinal, seria excruciante andar por aí carregando décadas de decepções e escolhas erradas nas costas, sem poder encostá-las ali num cantinho de dezembro antes de seguir adiante.

Réveillon em Sydney, 2000. Foto: Getty Images.

Fico pensando como, todos os anos, mais ou menos no mesmo ponto do universo, o dia 1º de janeiro vai surgindo no horizonte, timidamente, de hora em hora por todo o planeta, trazendo logo atrás um ano carregado de sonhos, alheio ao mundo de expectativas colocadas sobre ele.