quinta-feira, 30 de julho de 2015

O que você vê?

Luiza chegou vinte minutos antes do combinado. Estava ansiosa. Havia trabalhado meses naquela apresentação e repetia seu discurso mentalmente enquanto aguardava o rapaz que viria abrir o auditório.
Otávio chegou apressado, atrasado, com um molho de chaves na mão. Luiza sorriu, aliviada. “Chegou atrasado, mas chegou.”
— Bom dia! Você é o Otávio?
— Isso. Vamo’ entrando que o portão não pode ficar aberto.
Luiza apanhou sua mochila, suas pastas e entrou. Otávio fechou o portão logo em seguida e começou um rápido tour pelo local:
— O banheiro é ali no fundo, a luz do palco acende aqui e se precisar usar a copa, é ali do lado. Mas é bom não ficar entrando e saindo muito. E deixa tudo arrumado depois que sair.
— Pode ficar tranquilo! – disse Luiza apoiando seu material sobre a mesa do computador.
— Vai usar o computador?
— Vou sim. E o projetor, também.
— Ah. É que não avisaram. Agora vou ter que ir lá em cima ligar. Onde vai ficar?
— Não sei, acho que aqui mesmo. Qualquer coisa eu levo a mesinha pro outro lado. Tem rodinha, não tem?
— Mas não pode ficar mexendo. Escolhe um lugar e eu vou prender o cabo no chão com fita crepe.

Não fazia nem três minutos que Luiza havia entrado no auditório e sua cabeça já estava repleta de decisões a serem tomadas: como se apresentar à plateia, como movimentar as mãos, para onde olhar durante a apresentação, fazer ou não fazer aquela piada no slide 17...  E agora também precisava decidir em que quadrante do palco ficaria a mesa de rodinhas com o computador.
— Pode ficar aqui mesmo, então...
Otávio imediatamente conectou os cabos e prendeu-os no chão.
— Pronto. Não pode mexer mais. E cuidado com os fios.
— Sem problemas! Eu também precisava de quatro cadeiras aqui no palco. Posso pegar ali?
— Quatro!? Me falaram que eram só três.
Luiza olhou para a pilha de 20 cadeiras empilhadas ao fundo do auditório.
— Mas não pode ser quatro?
Otávio bufou.
— Tá, pode pegar lá, mas sem arrastar. E depois tem que devolver no lugar.
— Claro, eu devolvo.
Luiza levou as cadeiras até o palco e testou algumas posições antes de se decidir pela primeira. Mas ainda não estava satisfeita.
— Otávio, por favor, como eu faço pra fechar essa cortina aqui do fundo?
— Tem que puxar a cordinha. Não vai puxar direto na mão, hein!? Senão ela sai do trilho.
— OK.
Luiza puxou a cordinha. A cortina não se mexeu.
— Otávio, desculpa, mas não tá indo.
— Ó, lá, falei que não era pra puxar com a mão! Agora saiu do trilho.
“Mas eu não puxei!”, pensou Luiza, enquanto Otávio subia no palco e fechava a cortina – puxando com a mão.
— Agora não mexe mais, senão pode cair. Vou ligar o projetor. Qualquer coisa, tô lá em cima. E não arrasta a cadeira!
— Pode deixar.
Luiza abriu a apresentação no computador, revisou os slides, ensaiou o discurso em voz alta e decidiu manter a piada do slide 17.

As pessoas começaram a chegar. A plateia encheu. A ansiedade aumentou.
Silêncio.
Todos prontos.
Luiza aproximou-se do microfone. “Bom dia!”. Mas sua voz não saiu pelas caixas de som.
Luiza bateu no microfone. “Bom dia!” “Alô?”. Nada. Olhou tensa para Otávio, operando o projetor da cabine ao fundo da plateia. Ele correu até o palco.
— Não falei pra tomar cuidado com o fio!?
Otávio desligou e religou e microfone. Testou. Tudo certo. Correu de volta para a cabine.

A apresentação começou, continuou, terminou; a plateia sorriu, aplaudiu, partiu.

E Luiza suspirou aliviada. Desligou o computador, recolheu suas coisas, empilhou as cadeiras sem arrastá-las e colocou-as de volta no lugar. Mas antes de sair, Luiza tomou uma última decisão: decidiu que precisava dizer uma coisa para Otávio.
Aproximou-se da cabine enquanto ele desligava as luzes do auditório. Respirou fundo e disse:
— Obrigada!
Otávio sorriu.
— Foi nada.
— Tava tão ansiosa que nem te agradeci.
— Magina! Quando precisar, tamo sempre aí – respondeu.
E partiram.