quinta-feira, 22 de julho de 2010

Turistas


Agora que estive no Brasil durante as férias, tive de renovar meu visto.
Depois de preencher o formulário onilne, que inclui as clássicas perguntas “Você virá aos EUA para se envolver em prostituição?”, “Você já esteve envolvido em lavagem de dinheiro?”, “Você pretende praticar atividades terroristas, genocídio, ou tortura?”, lá fui eu para minha entrevista.
Observar as pessoas no consulado americano é sempre uma experiência e tanto.
Ainda na calçada do lado de fora, entro em uma pequena fila, iPod no ouvido. Pessoas seguram seus documentos com as mãos trêmulas, pensando em absolutamente tudo que pode dar errado e acabar com aquela viagem pra Disney.
Cerca de quinze minutos depois, o segurança que estava ali parado desde o início, resolve se aproximar.
- Tem algum eletrônico aí?
Não. Meu fone de ouvido está conectado a um pão de queijo.
- Sim.
- Não pode mais entrar com nenhum eletrônico. Tem que deixar no guarda-volumes aí fora.
Do outro lado da rua, todo estabelecimento com uma porta exibe uma placa: GUARDA-VOLUMES – R$5,00. Claro. Atravesso a rua, deixo meus perigosíssimos eletrônicos e volto para o fim da fila.
Uma vez dentro do consulado, aguardo em uma outra fila. Um casal com um filho adolescente parece tenso.
- Não é possível! Isso é um absurdo! – diz o marido, irritadíssimo com alguma coisa.
- Mas que coisa! Precisa ficar reclamando? Não tá vendo que eu já to nervosa? – diz a mulher.
- Isso, continuem brigando, assim a gente consegue o visto – rebate o filho.
Chega a vez deles. Eles entregam os papéis. Faltou preencher um campo. Eles pedem uma caneta. A atendente, que sorriu pela última vez na Copa de 86, os manda para o fim da fila enquanto preenchem o CPF do garoto. O marido parece prestes a explodir.
- Ahhhh, eu vou desistir dessa merda!
Chega a minha vez. Sobrevivo à primeira triagem e sou enviado à próxima janela, a de impressões digitais.
- Preciso tirar as impressões digitais de novo? – pergunto a um ajudante que passa por ali. - É renovação.
- Precisa sim. Toda vez que renova, precisa tirar as impressões.
 Entrego meus documentos ao funcionário na janelinha.
- Cadê o DS-2019?
- Está dentro do passaporte.
Ele o pega com desprezo. Encontra o o documento.
- Ah… Dobrado em mil pedaços.
Respiro fundo.  É mês de Copa do Mundo. Pra que estressar? Ele toma minhas impressões digitais e me manda aguardar mais um pouco. Uma funcionária passa entregando envelopes de SEDEX.
- Não posso vir buscar o passaporte pessoalmente?
- Não, agora só pode mandar pelo correio.
Preencho o envelope. Enfim, sou chamado para a entrevista. Genuinamente simpática, a entrevistadora examina a tela do computador e faz perguntas triviais.
- Você estuda o quê?
- Roteiro.
- Que bacana! E sobre o que é sua tese?
- Ah, não tem bem uma tese. A gente escreve roteiros. Escrevi um ano passado, e vou escrever outro ano que vem.
- Sobre o que é o seu roteiro?
- Como assim? Que gênero?
- Não, sobre o que é, qual é a história?
- Ah, é um romance entre um americano e uma brasileira que têm as malas trocadas num cruzeiro e acabam se apaixonando, sem nunca terem se conhecido pessoalmente.
- É autobiográfico?
Sorrio.
- Não.
Ela também sorri.
- OK, muito obrigado.  Veja com o Fábio quando você pode vir retirar o passaporte.
- Mas não vai ser enviado pelo correio?
- Não, não. O Fábio está esperando você ali fora. Você combina com ele.
Jogo o envelope do SEDEX no lixo, passo pela segurança… e nada do Fábio.
- Senhor, não pode ficar parado aqui, não.
- É que me falaram que o Fábio ia estar me esperando.
Uma funcionária vestida de “Posso Ajudar?” contacta alguém em um walkie-talkie que não funciona muito bem.
- Tem um Fulbright aqui querendo falar com Fábio.
- Falaram pra você voltar lá na janela onde fez a entrevista.
Passo pela segurança novamente. A mulher que me entrevistou pede mil desculpas.
- Esqueci de pegar sua impressão digital.
- Outra vez?
- Sim.
Ela pega minha impressão digital de novo – dessa vez do dedo da outra mão. Volto para o lado de fora. A “Posso Ajudar?” se aproxima novamente.
- O que você tá fazendo aqui ainda? Não falei pra você voltar na janelinha?
- Eu já fui lá, mas era outra coisa. Eu ainda estou esperando o Fábio.
Ele volta para o walkie-talkie. Aquele que não funciona direito.
- Falaram pra você entrar em contato com ele por telefone.
- OK, qual o telefone dele?
- Ah, eu não tenho!
- Eu também não. Como eu vou ligar pra ele?
- Quem agendou sua entrevista?
- A Fulbright.
- Então entra em contato com Fulbright, eles vão entrar em contato com o Fábio e ele vai entrar em contato com você pra dizer quando você pode vir buscar o passaporte.
Que fácil.
No dia seguinte, surpreendentemente, retiro o passaporte com o Fábio. Tudo certo. Um mês depois, estou de volta aos EUA. Na imigração, uma fila enorme. A mesma tensão da fila do consulado se repete. Turistas com suas pastinhas na mão aguardam ansiosamente para enfrentar a última barreira entre eles e a “América”.
Horas depois, sou atendido pela funcionária que aparece no vídeo de cinco minutos que está em looping na TV há duas horas. Demoro alguns minutos para explicar que estou levando farinha de mandioca, e não uma flor (flour X flower).
Ela enfim compreende, sorri, e como se fosse a primeira vez…
- O senhor pode colocar a mão direita ali para eu tirar suas impressões digitais?