segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O baile

Aqueles que me conhecem sabem que levo uma vida irritantemente organizada. Gosto de saber que o mundo ao meu redor está sob controle, que tudo está na sua devida prateleira, caixa ou gaveta, e por isso uso diariamente uma agenda – dessas de verdade, que você pega na mão e derruba café. É como um guia da NET com a programação da minha vida.

Naquela sexta-feira, véspera de feriado, meu guia da NET dizia que sairia do trabalho às seis da tarde, limparia a casa, terminaria os trabalhos do curso, arrumaria a mala, jantaria na casa dos pais, daria carona para um amigo e, enfim, pegaria um ônibus para Jundiaí.

Mas nos 400 metros que separam minha casa do trabalho, tudo mudou.

Como um plantão urgente que invade a programação, um rapaz que descia da moto estacionada veio em minha direção e pediu meu celular. Depois meu relógio, minha corrente, meu dinheiro, minha mochila... com a minha agenda. Segundos depois, ele partia na moto com tudo aquilo que até então era meu, e eu seguia na direção oposta, a pé, reorganizando mentalmente a gaveta que ele sem perceber jogara para o alto.

Chego em casa e lembro que não tenho um telefone fixo. Em seguida, descubro que o Skype não faz chamadas de emergência. Vou até meus pais. No caminho, um rapaz se aproxima da minha janela, totalmente aberta, e pede um trocado. Sorrio com a ironia.

–  Cara, acabei de ser assaltado...

Ele me olha fundo nos olhos, para de sorrir e responde:

–  Eu sei. Eu vi tudo. Eu vi tudo! – e vai embora.

Faço o B.O. “O IMEI? Tenho sim, peraí! Ah, não, esquece, ‘tava na agenda.” Pego um celular emprestado, corro para a Vivo: a loja fechou. Vou até outra, troco o chip. Aviso meu amigo que não poderei buscá-lo como planejado. Volto para casa, termino o trabalho como dá, arremesso as coisas na mala, passo na farmácia para comprar, de novo, o remédio que estava na mochila e chego em cima da hora para seguir viagem.

Já no ônibus, penso que perdi o celular, o dinheiro, o relógio, mas que o que mais me incomodou foi perder a sensação – ou a ilusão – de que tenho tudo sob controle.

O assaltante mudou o canal no meio do filme, tirou os livros da ordem alfabética. Tinha uma vida detalhadamente desenhada a lápis. E então veio uma borracha: uma borracha que pode vir a qualquer momento, de qualquer lugar. Um emprego para o qual você deixa de ser essencial, uma pessoa que de uma hora para outra não está mais ali, uma perna quebrada, um celular roubado: basta uma peça torta para dar game over no tetris perfeito que você criou com as peças que a vida mandou.

Como diz a música de Dave Matthews, though we would like to believe we are, we are not in control.

É como se estivéssemos numa grande festa, a banda a todo vapor. Talvez o ritmo mude, talvez a música acabe, mas a playlist não está sob nosso controle. A nós cabe apenas continuar dançando. 

O baile, de Paula Rego