quinta-feira, 30 de março de 2017

O galpão

Ele era um homem alto. Tinha mais de um metro e noventa de altura e energia para derrubar um touro ou levantar um trem se precisasse. Mas naquele entardecer não precisava levantar um trem, nem sequer um carro ou uma caixa de papelão: simplesmente procurava por algo que não conseguia encontrar.

Tinha pressa. Entrou no galpão, certo de que o que buscava estava ali. Foi tateando as paredes em busca do interruptor, mas não o encontrou. Não fosse por uma discreta penumbra que vazava pela claraboia, estaria em uma total escuridão.

A sensação era de que o galpão há pouco estivera ocupado, movimentado, vivo, mas agora estava abandonado; um vazio de móveis e objetos escondidos no breu. Era possível que alguns vidros estivessem quebrados, talvez uma fina camada de pó se estivesse formando sobre os móveis, mas à medida que a noite caía e a claraboia tornava-se inútil, enxergar qualquer coisa tornava-se impossível.

Tateou as longas mesas, o alto das prateleiras. Nada. Agachou-se e passou a engatinhar para não topar nos móveis ou tropeçar nos desníveis do assoalho. Chegou até outra parede e encontrou uma tomada.

Ali certamente haveria um interruptor.

Apoiou-se nos tijolos e tentou levantar-se… mas já não podia mais. Por mais que tentasse, já não se equilibrava sobre os pés. Manteve-se no chão e esticou o braço o mais alto que pôde, mas não foi o suficiente. Logo ele, que sempre alcançou tudo que quis, agora se limitava a poucos centímetros de altura.

Se ao menos tivesse uma lanterna…

Moveu-se até um grande móvel, abriu a porta do armário que estava à sua altura e deparou-se com um baú de madeira e ferro. Tentou abri-lo, mas não tinha forças. Apalpou seus próprios braços com estranhamento: era possível que estivessem encolhendo?

Não tinha tempo para pensar naquilo. Precisava correr. Arrastou-se como pôde e puxou as gavetas que alcançava, uma após a outra. Como podiam parecer tão altas tão de repente? Uma delas caiu sobre ele, espalhando seu conteúdo pelo chão. Papéis e mais papéis… De que adiantavam os papéis se não enxergava as letras? Continuou tateando o solo até que sentiu algo que enfim lhe poderia ser útil.

Uma vela.

Precisava apenas de um fósforo para acendê-la e encontrar o que tanto buscava. Mas o que era mesmo que buscava? Seus pensamentos estavam confusos. Estava tão pequeno que qualquer um que entrasse ali – talvez até buscando o mesmo que ele – poderia pisá-lo e destruí-lo sem sequer perceber.

Uma dor nas costas começava a se alastrar desde a nuca até a lombar. Já não se reconhecia mais, e sentia-se feio. Enfiou-se debaixo de um gaveteiro na esperança de encontrar um fósforo, mas já tinha dúvidas se seria capaz de riscá-lo e acender a vela. Encontrou o nada.

Tentou seguir em frente. A essa altura queria apenas sair daquele lugar, mas percebeu que suas costas estavam presas sob a madeira áspera do móvel. Num esforço hercúleo, empurrou seu corpo diminuto para fora dali e só então percebeu as asas que se abriam atrás de seu corpo. Tentou movimentá-las, mas uma nova dor tomou conta de seu já irreconhecível corpo, dessa vez no abdômen. Olhou para baixo e notou um ponto brilhante, depois outro, e mais um, até que quase metade de seu corpo estivesse brilhando. Um verde forte, fluorescente.

Era um vaga-lume. 

E então deu dois passos e voou para fora do galpão pela fresta de um vidro quebrado, deixando atrás de si um rastro de luz.