Eu nunca
fui muito fã de futebol.
Brincava de
gol-a-gol quando era pequeno, cheguei a fazer escolinha na segunda série... mas
parei por aí.
Mesmo
assim, eu adoro a Copa. Sempre gostei da ideia de boa parte do mundo com os
olhos voltados a um único evento – que não fosse uma guerra ou um acidente de
avião.
Minha
primeira Copa de verdade foi a de 94. Lembro-me de praticamente todos os jogos,
a maioria deles visto com os vizinhos do prédio, com uma overdose refrigerante
e amendoim japonês, seguida quase sempre de uma leve dor de barriga.
O empate
com a Suécia na primeira fase, a cotovelada do Leonardo nas oitavas, o gol “cala a boca” do Branco no jogo tenso contra a Holanda... E, é claro, o inesquecível pênalti de Baggio e os gritos de "É tetra!" de Galvão Bueno. Mal sabia eu que 17 anos
depois estaria naquele mesmo estádio, assistindo – veja só – a um jogo de
futebol americano.
Até hoje
tenho guardada a camisa do Brasil (que não era do Brasil, mas de algum banco ou
empresa de tintas) com todos os nomes dos vizinhos assinados, consolidando em
um pedaço de pano aquele mês tão inesquecível.
Vinte anos
e um título depois, chega mais uma Copa. Surgem as legiões de fanáticos, com
orgulho de serem brasileiros; surgem os pessimistas, a espera do caos aéreo, dos
ingressos falsos e dos turistas assassinados. Surgem os bolões – impossíveis de
acertar. E surgem também as intensas trocas de figurinha.
Como
crianças na hora do recreio, de uma hora para outra, marmanjos começam a se
reunir nos bares, no cafezinho, na mesa de trabalho, ávidos pelos cromos
faltantes.
Comecei a
colecionar o álbum quando senti que precisava de uma atividade que rompesse o
ciclo computador-do-trabalho/celular/computador-de-casa. Qualquer atividade
offline me pareceu atraente, e quando vi um álbum jogado na casa dos meus pais,
achei que tinha encontrado a resposta.
Na
produtora onde trabalho, em um andar com 300 funcionários, a máfia das
figurinhas rolou solta. Bolos presos em elásticos passeavam de mesa em mesa, com
homens e mulheres, de 20 a 50 anos, cada um a sua maneira, checando os números
que faltavam numa folha de papel, num aplicativo ou num post-it.
Imperava o
sistema de confiança. “Toma, eu peguei 6.” “Beleza, eu peguei 10. Pega mais 4
aí.” “Não precisa, depois a gente acerta.”
Sem
perceber, passei a conhecer uma pessoa nova a cada dia. Passei a dar mais bom
dia.
Descobri
que uma colega é polonesa; trocamos dez figurinhas e conversamos sobre o jogo
de vôlei entre nossas seleções, que ocorria ao vivo naquele momento (sim, existiam
outros jogos rolando além da Copa.) Descobri que um colega estudou documentário
na Argentina; me contou que dirigiu um curta-metragem sobre a morte e me prometeu
conseguir a figurinha 34.
Outro
colega procurava freneticamente a figurinha 241 – a última que faltava. Todo o
andar se uniu em busca pelo derradeiro cromo. Ganhou a figurinha de presente de
um funcionário a 18 baias de distância.
Dos
odiadores de plantão, ouvi diversos comentários do tipo: “Que absurdo! Onde já
se viu? Um monte de marmanjo trocando figurinha na hora do almoço!”
Seria
melhor um monte de marmanjo isolado ao telefone?
Nos dias de
jogo, a festa era certa. Mesmo com trânsito, mesmo com 7x1, dia de jogo era
dia de sorriso. Era dia de encontrar os amigos, de torcer, de fazer charutinho
de kafta com gorgonzola na churrasqueira e até de conhecer gente nova.
Foram 32
dias, 64 jogos: 64 chances de quebrar a rotina, de viver um dia diferente dos
outros 333.
Pra mim, a
Copa é isso. Seja no Brasil, na Rússia ou na Eritreia, a Copa tem pouco a ver
com futebol. Tem a ver com as pessoas. Tem ver com os momentos.
Eu já
costumo interagir bastante com as pessoas ao meu redor, já costumo festejar os
dias mais cinzentos.
Imagina na
Copa!