terça-feira, 14 de outubro de 2014

Cem anos sem solidão

Hoje minha avó faz 100 anos.

Cem. Anos.

Paremos aqui um instante. Ter 100 anos significa ter nascido antes de existirem Copas do Mundo. Antes de inventarem a televisão. Antes de existirem voos comerciais.

Significa ter vivido as duas Guerras Mundiais.

Acompanhado vinte e duas Olimpíadas.

Visto nove Papas.

Significa também que TODAS as pessoas mais velhas que conheceu já não vivem mais...

Conhecer alguém com cem anos também incita à inevitável pergunta: qual o segredo?

Minha avó nasceu na Itália e provavelmente teria sido freira, não tivesse conhecido meu avô e vindo para o Brasil – em uma época em que dizer adeus significava, mesmo, dizer adeus.

Assim, desafiando todas as expectativas de quem observa a pequena senhorinha na missa das sete, minha avó viria a ser uma das pessoas mais ousadas que já conheci.

Teve um marido, quatro filhas, dez netos e onze bisnetos. Insistiu em morar sozinha dos 66 aos 96 anos, nunca teve um celular e dizia sem pudor quando não gostava de um presente. Quer ousadia maior?

Recentemente sua mente deixou de acompanhar seu espírito e sua lucidez começou a se esvair, mas não sem antes termos esta conversa, supostamente trivial:

- Tá tudo bem com você?
- Tudo sim, Nonna.
- Tá gostando do trabalho?
- Tô sim.
- Porque se não estiver, vai pro próximo! Só não fica parado. Não tá bom? Segue em frente!
- Pode deixar, Nonninha.
- Sabe, eu posso te dizer: eu fiz tudo o que queria na vida... Não me arrependo de nada!

Demorei alguns instantes para absorver a magnitude da afirmação.

Se já são pouquíssimos os centenários no mundo, o que dizer dos que vivem um século podendo dizer o mesmo?

E então me pareceu claro que o segredo para viver mais tempo é simplesmente viver mais.


Nonninha intrigada com meu iPhone.