Aqueles que me
conhecem sabem que levo uma vida irritantemente organizada. Gosto de saber que
o mundo ao meu redor está sob controle, que tudo está na sua devida prateleira,
caixa ou gaveta, e por isso uso diariamente uma agenda – dessas de verdade, que
você pega na mão e derruba café. É como um guia da NET com a programação da
minha vida.
Naquela sexta-feira,
véspera de feriado, meu guia da NET dizia que sairia do trabalho às seis da
tarde, limparia a casa, terminaria os trabalhos do curso, arrumaria a mala,
jantaria na casa dos pais, daria carona para um amigo e, enfim, pegaria um
ônibus para Jundiaí.
Mas nos 400 metros
que separam minha casa do trabalho, tudo mudou.
Como um plantão
urgente que invade a programação, um rapaz que descia da moto estacionada veio
em minha direção e pediu meu celular. Depois meu relógio, minha corrente, meu
dinheiro, minha mochila... com a minha agenda. Segundos depois, ele partia na
moto com tudo aquilo que até então era meu, e eu seguia na direção oposta, a
pé, reorganizando mentalmente a gaveta que ele sem perceber jogara para o alto.
Chego em casa e lembro
que não tenho um telefone fixo. Em seguida, descubro que o Skype não faz
chamadas de emergência. Vou até meus pais. No caminho, um rapaz se aproxima da
minha janela, totalmente aberta, e pede um trocado. Sorrio com a ironia.
– Cara, acabei de ser assaltado...
Ele me olha fundo
nos olhos, para de sorrir e responde:
– Eu sei. Eu vi tudo. Eu vi tudo! – e vai
embora.
Faço o B.O. “O
IMEI? Tenho sim, peraí! Ah, não, esquece, ‘tava na agenda.” Pego um celular emprestado,
corro para a Vivo: a loja fechou. Vou até outra, troco o chip. Aviso meu amigo
que não poderei buscá-lo como planejado. Volto para casa, termino o trabalho como
dá, arremesso as coisas na mala, passo na farmácia para comprar, de novo, o
remédio que estava na mochila e chego em cima da hora para seguir viagem.
Já no ônibus, penso que perdi o celular, o
dinheiro, o relógio, mas que o que mais me incomodou foi perder a sensação – ou a ilusão
– de que tenho tudo sob controle.
O assaltante mudou o
canal no meio do filme, tirou os livros da ordem
alfabética. Tinha uma vida detalhadamente desenhada a lápis. E então veio uma
borracha: uma borracha que pode vir a qualquer momento, de qualquer lugar. Um
emprego para o qual você deixa de ser essencial, uma pessoa que de uma hora
para outra não está mais ali, uma perna quebrada, um celular roubado: basta uma
peça torta para dar game over no tetris perfeito que você criou com as peças
que a vida mandou.
Como diz a música de Dave Matthews, though we would like to believe we are, we
are not in control.
É como se estivéssemos
numa grande festa, a banda a todo vapor. Talvez o ritmo mude, talvez a música
acabe, mas a playlist não está sob nosso controle. A nós cabe apenas continuar
dançando.
O baile, de Paula Rego |