Outro dia alguns amigos me convidaram para visitar
o Leo. Na verdade, fomos passar um fim de semana com ele e seus irmãos. Sua
casa precisava de alguns reparos e decidimos dar uma força.
Não conhecia o Leo até então e conversamos
pela primeira vez na hora do almoço. Descobri que se mudara para aquela casa
havia poucos meses; seu filho de quatro anos morava com a mãe; seu pai havia
falecido alguns anos antes; sua mãe morava no interior e viria visitá-lo em
duas semanas.
Passamos uma tarde agradável, demos risada lixando
e pintando paredes. Leo poderia ser um amigo como tantos outros que fui
conquistando pela vida, mas Leo não é exatamente como os outros.
Leo tem 16 anos. Teve seu filho aos 12, no
mesmo ano em que perdeu seu pai e que começou a usar drogas. Apesar de morar
com a mãe, passava a maior parte do tempo na rua, onde roubava para sustentar o
vício. Foi preso cinco vezes, mas nunca passou mais de dois dias na cadeia. Seu
irmão está preso. Seus tios e primos, à exceção de um, estão todos envolvidos
com drogas.
Apesar disso, Leo estava ali, sentado ao meu
lado, dividindo nuggets de frango e suco de maracujá.
Leo está naquela casa, assim como seus “irmãos”,
para um programa de nove meses de recuperação de dependentes químicos.
Conseguiu quebrar o ciclo asfixiante em que vivia e agora dá um passo em
direção a esse desconhecido mundo onde viver com dignidade parece possível.
A primeira coisa que pensei foi: “Nossa,
como esse universo é distante do meu.” Mas logo percebi o quanto estava errado.
Leo, de fato, não é um garoto que faz parte
do meu círculo social. Não sai comigo para jantar, não vai comigo ao cinema, não
está nos meus churrascos com amigos. Leo é o garoto que pede dinheiro quando eu
estaciono o carro, quando eu paro no farol; é o garoto que me faz atravessar a
rua se vem em minha direção às 2h da manhã.
É o garoto que a gente vê sendo preso na TV
e pensa: ”bem feito”.
Mês passado, quando fui assaltado, desejei
que os dois rapazes sobre a moto fossem encontrados, que fossem presos, que
aprendessem uma lição. E confesso que naquele instante não teria me incomodado
se sua moto tivesse sido atingida por um caminhão.
Mas depois que passei dois dias com Leo e
seus irmãos, pensei melhor. Pensei em quantas pessoas já não desejaram mal àquele
garoto que pintava de azul o rodapé de sua casa; em quantas pessoas não desejaram
que ele apanhasse na cadeia pra aprender a não roubar o iPhone dos outros. E desejei
que não tivesse sido assim.
Recentemente ouvi sobre um projeto em
Richmond, na Califórnia, em que os principais criminosos da cidade recebem um
tratamento especial – que inclui acompanhamento individual, ajuda psicológica e
financeira – desde que se comprometam a não cometer mais crimes.
Apesar do sucesso, o projeto é
compreensivelmente controverso. “E aqueles que também vêm de uma realidade
difícil, mas não estão cometendo crimes. Por que não estão recebendo toda essa
ajuda?” – reclamam alguns.
Um dos funcionários do projeto – que foi
recuperado pelo mesmo projeto anos antes – responde de forma bastante
pragmática:
“Eu entendo perfeitamente. Eu já fui preso.
A sociedade achava que eu não merecia nada, e eu consegui tirar um diploma. As
pessoas têm problemas com isso. Mas no final das contas, eu vou voltar pra
casa. E quem você quer morando do seu lado? Um cara que passou anos jogando
dominó e puxando ferro, ou um cara que conseguiu se recuperar e fazer uma
faculdade?”
Seria ingenuidade minha querer encerrar um
assunto tão complexo nestas poucas linhas, mas o fato é que Leo e seus irmãos
fizeram péssimas escolhas. Talvez seus vizinhos tenham saído da mesma realidade
e conseguido terminar o Ensino Médio, conseguido um emprego e conquistado uma
vida minimamente digna sem roubar um celular. Mas Leo e seus irmãos, não.
Ainda assim, eles existem.
Eles, como tantos outros, estão aí, gente
como a gente, vivendo suas vidas o melhor que conseguem, às vezes cruzando
nosso caminho, para o bem ou para o mal. E querer jogá-los no lixo não vai
resolver os nossos problemas. Muito menos os deles.
Outro dia, no supermercado, um morador de
rua, certamente sob o efeito de drogas, se aproximou de mim com um caderno, uma
caixa de lápis-de-cor e um estojo de canetas. Pediu, educadamente, para que eu
os comprasse. No caixa, ele não queria tocar o caderno com as mãos, pois
estavam sujas. Perguntou ao atendente quanto custava a sacolinha plástica.
— Não custa nada — respondeu com um sorriso,
enquanto lhe ajudava a colocar o material na sacola.
O rapaz voltou-se para mim:
— Se eu fosse dono desse supermercado, eu
passaria em todas as filiais dando parabéns pros funcionários. Eles são de
ouro. Sempre me tratam bem.
Naquele fim de semana na casa de Leo, fizemos
coisas simples: pintamos algumas paredes, dividimos refeições, trocamos
experiências. Mas o que pesou foi aquilo que não fizemos: não os tratamos com
indiferença, não os discriminamos por suas escolhas, não decidimos que eles não
merecem algo melhor. Não quisemos que eles não existissem.
Parece pouco, parece fácil. Mas não é, e não
é.