Durante mais de 20
anos da minha vida, passei a virada do ano exatamente no mesmo lugar, com as
mesmas pessoas: minha família. A casa onde tios, primos e afins reuniam-se era situada em um lugar estratégico onde era
impossível ver qualquer tipo de fogos, e a proximidade com uma favela sempre
deixava dúvidas sobre o teor dos estouros. Foram fogos? Foram tiros?
Havia uma
superstição de que os desertores sofreriam as consequências. “Vai pra praia com os amigos? Certeza que vai chover!” “Fulana foi viajar com o namorado, acredita?! Aposto
que vão terminar!” A primeira vez que passei o réveillon longe da
família foi em 2007, quando fui a Fortaleza com a namorada e alguns amigos. Tenho
certeza que o motivo de eu ter passado as últimas horas do ano vomitando foi o
excesso de comida, e não uma maldição. O namoro terminou algumas semanas depois.
Particularmente,
nunca dei tanto peso para a data em si, talvez porque eu tenha a sorte de
passar praticamente o ano todo rodeado por pessoas que gosto e de não
precisar de datas definidas para reuni-las.
Ou talvez porque eu
reconheça a arbitrariedade dessa data.
Em algum ponto da
história, decidimos que uma posição específica da Terra em relação ao Sol seria
um marco; que uma vez que nossa bola azul cruzasse essa linha de chegada
imaginária, daríamos um grande reset
no jogo de seus habitantes. Aí, em 1582, o Papa Greg e sua turma perceberam que
estava tudo errado e decidiram dar uma ajustadinha nessa linha, puxando-a uns
dez dias para trás. “Vamos pular do dia 4 de outubro direto pro dia 15?” “Bora!”
Eu não teria feito
aniversário em 1582…
Cada país resolveu
adotar o calendário quando estava a fim, o que levou alguns anos. Tipo uns 350.
Mas não foi só isso. Para evitar novos grandes ajustes no futuro, resolveram
calcular direito essa história de ano bissexto, afinal, o ano trópico não tem EXATAMENTE
365 dias, mas 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos.
(Parênteses aqui.
Uma busca rápida na internet vai mostrar que são considerados dois cálculos
para a duração do ano: o ano sideral, que usa as estrelas como referência, e o
ano trópico, que leva em consideração as estações do ano. E, não, eles não têm
a mesma duração. VAI VENDO!)
Pois bem, com esse
negócio de um ano ter 365 dias, mais um quarto de dia, decidiram enfiar um dia
a mais em fevereiro a cada quatro anos. Só que, de novo, esse “um quarto de
dia” não é EXATAMENTE um quarto de dia. E como a gente compensa esses minutinhos
que a gente está colocando de brinde a cada ano? Fácil: a gente cancela o ano
bissexto a cada 100 anos, nos anos múltiplos de 100!
“Nem vem! O ano
2000 foi bissexto que eu lembro muito bem. Teve enchente, teve Olimpíada e
teve 29 de fevereiro, sim!” — você pode estar pensando.
É que a coisa não
para por aí: a gente cancela o ano bissexto nos anos múltiplos de 100… A MENOS
que eles sejam, também, múltiplos de 400.
Olha. Que. Simples. Tudo para manter uma linha imaginária mais ou menos no mesmo lugar todo ano.
Seja como for, é
fascinante pensar como ciclos arbitrários têm o poder de nos inspirar, de nos
fazer refletir, de criar novas metas e ressuscitar velhos sonhos. E também de
nos dar uma folga. Afinal, seria excruciante andar por aí carregando décadas de
decepções e escolhas erradas nas costas, sem poder encostá-las ali num cantinho
de dezembro antes de seguir adiante.
Réveillon em Sydney, 2000. Foto: Getty Images. |
Fico pensando como,
todos os anos, mais ou menos no mesmo ponto do universo, o dia 1º de
janeiro vai surgindo no horizonte, timidamente, de hora em hora por todo o
planeta, trazendo logo atrás um ano carregado de sonhos, alheio ao
mundo de expectativas colocadas sobre ele.