— Eu sou um pouco travada pra falar em público, me dá umas dicas? — pediu uma amiga outro dia. Eu ri. Sete anos atrás isso seria uma piada.
Veio-me à memória um dia durante o mestrado em que o professor, como de costume, passou um curta feito por um grupo de alunos, que em seguida foi discutido pela turma em um auditório com 120 pessoas. Eu levantei a mão para fazer um comentário, mas havia muitas mãos levantadas e acabei não sendo chamado.
Por que eu me lembro disso? Porque em dois anos de mestrado nos EUA, essa foi a única vez que levantei a mão.
Não posso dizer que eu era tímido, mas em um mundo de smartphones recém-nascidos e um Facebook que engatinhava, gritar sua opinião sobre o mundo a todo momento não era exatamente um hábito — certamente não pra mim.
De volta ao Brasil, fui convidado a apresentar um festival de cinema. “Mas eu nunca fiz isso!” “Mas eu não sei falar em público!” “Mas eu não conheço as pessoas!”
Aceitei. Minhas tarefas se resumiam a fazer uma breve apresentação de cada palestrante e mediar dois debates — um na abertura, outro no encerramento — com uma dupla de diretores de cinema.
Passei manhãs inteiras estudando a vida de cada palestrante, decorando histórico acadêmico, prêmios, cargos, conquistas, títulos… tudo para uma apresentação de trinta segundos. “E se eu errar? E se me acharem incapaz?” eu pensava, com as mãos suando. “Errar o quê, meu Deus?!” diria eu hoje. A faculdade? Um prêmio? Uma data? O MUNDO TÁ ACABANDO E VOCÊ TÁ COM MEDO DE PRONUNCIAR UM SOBRENOME ERRADO?!
Dizem que o Senna corria melhor na chuva porque tinha medo, e por isso se preparava mais.
As pessoas naquela plateia eram o meu dilúvio.
Para os debates com os diretores, me preparei como um atleta: vi os filmes que seriam exibidos, pesquisei sobre seus trabalhos, anotei perguntas… “E se ninguém perguntar nada?” Anotei mais perguntas.
No dia da abertura, após o filme, subi ao palco e me sentei ao lado dos diretores, com um auditório de 700 lugares me encarando. “Que bom que está meio vazio...” Fiz uma ou duas perguntas até que um deles, sem qualquer cerimônia, soltou:
— Filipe, a gente não quer ouvir suas perguntas, a gente quer ouvir as deles.
Em um misto de “quero sumir” e “que alívio”, passei o microfone para a plateia, com as mãos suando só de pensar que estaria naquele mesmo palco quatro dias depois, com os mesmos diretores, debatendo outro filme. Mal sabia eu que seria pior, e um deles — alcoolizado — praticamente tiraria o microfone da minha mão para seguir falando.
Já estava aceitando meu fiasco, prestes a voltar para casa, quando uma das palestrantes sorriu pra mim e disse:
— Nossa, como você fala bem! Você tem uma facilidade... Quem dera ser assim.
Eu sorri de volta e agradeci, escondendo as mãos suadas. No fim das contas, havia sobrevivido. O preparo não havia sido em vão. Eu tinha medo que as coisas dessem errado. E deram. E tudo bem. Porque às vezes as coisas dão certo mesmo quando dão errado.
É irônico pensar que, anos depois, estaria à frente de um programa social com o lema “toda criança tem algo a dizer, toda criança merece ser ouvida”; que falar em público se tornaria comum, prazeroso, até. Como diria um personagem que eu mesmo havia criado anos antes, é engraçado como nossos medos se tornam tolos quando a gente os supera.
Ano passado me pediram para fazer um breve discurso de agradecimento. Para duas mil pessoas.
Eu subi na arquibancada do ginásio, apanhei o microfone, olhei para as duas mil pessoas, pensei na fala que tinha preparado e sorri.
Lá fora, estava chovendo.