Assisti
ao filme Hard Candy pela primeira vez em 2006, quando trabalhava na Paris Filmes. Além da história bastante incômoda e
envolvente, várias coisas sobre o filme ficaram marcadas na minha memória. Foi ali,
por exemplo, que conheci a pintura Nighthawks,
de Edward Hooper, que hoje preenche o fundo de tela do meu computador. Hard Candy foi também um dos títulos mais difíceis de se traduzir para o português, o que ficaria comprovado por aquele que é provavelmente
o pior título brasileiro de todos os tempos: MeninaMá.com. Como pode uma
palavra (ou seriam duas? ou seriam três?), ao mesmo tempo, quebrar as regras
gramaticais, colocar acento em um endereço de internet e ainda entregar a virada
do filme?
Mas,
para mim, o mais marcante foi uma cena que sem dúvida passa despercebida por
quem assiste ao filme: a cena em que a personagem de Patrick Wilson diz à
personagem da então desconhecida Ellen Page que ela parece ser “do tipo que
ouve Coldplay.”
Era
a primeira vez que eu ouvia falar da banda, e ainda levariam dois anos para que
eu começasse a apreciar sua música, para que Coldplay virasse tema de conversa,
semente de amizade, cena de roteiro. De repente eu, também, havia me tornado “o
tipo que ouve Coldplay”, e o que se seguiu foi uma série de desencontros, com shows
deles aqui quando eu estava fora, shows fora quando eu estava aqui.
Até
que este ano tudo prometia mudar: a banda e eu estaríamos, enfim, na mesma
região geográfica. Mas a expectativa durou tão pouco quanto os ingressos, que
se esgotaram em poucas horas. Resignado à ideia de que minha relação com a
banda seria apenas virtual, um dia antes do show recebo a mensagem de um amigo:
—
Meu irmão e a namorada não vão mais. Tenho dois ingressos sobrando. Você quer
um?
A
resposta seria evidente, não fosse um pequeno detalhe: o preço.
Existia,
é claro, a possibilidade da meia-entrada. “Você não consegue arranjar uma
carteirinha?” Claro, também consigo arranjar TV a cabo de graça, roubar
castanha na feira e me indignar com a corrupção.
Os
amigos dividiam-se entre “você não vai pagar isso tudo por um ingresso, né?!” e
“como assim você ‘tá na dúvida se vai ou não no show?!”
Então
me lembrei de uma entrevista com José Mujica para o documentário Human: “Quando compramos algo, não
compramos com dinheiro, mas com o tempo de vida que gastamos para ganhar esse
dinheiro.”
E
aí, como no mid-point de Hard Candy, a
perspectiva mudou.
Um
dia e meio de trabalho: esse era o preço para assistir, ao vivo, a uma das minhas
bandas favoritas.
Comecei,
então, a calcular outros preços da minha rotina. Andar de carro me custa dois
dias de trabalho por mês — o mesmo que cuidar da minha saúde. Os gastos da casa
exigem duas semanas de trabalho, e por apenas três dias levo um mês de atividades
de lazer.
E
por que não pensar em dinheiro assim, como uma mera unidade de conversão? Como uma bateria que armazena a energia do seu
trabalho para quando você precisa usar?
Afinal,
ninguém guarda quilômetros no cofre, nem rouba graus Celsius, nem mata por
centímetros cúbicos.
Vale
a pena trabalhar um dia inteiro por uma refeição? Dois dias para visitar um
amigo distante? Três dias por um sapato? Porque esse é o real preço das coisas.
Só
que existe ainda aquele trabalho que não gera nenhum excesso de energia, que
gera um calor que não pode ser armazenado, que deve ser consumido ali mesmo. Um
calor humano. Passar o dia pintando uma instituição carente, ou levando comida
a quem precisa, ou fazendo qualquer trabalho que traz um retorno em outra unidade
que não aquela que compra um ingresso do Coldplay ou uma torta de frango. Um trabalho
que recarrega outras baterias. E que nem por isso vale menos.
A
ideia é simples. E eu gosto de coisas simples: você dedica seu dia a algo ou a
alguém e essa dedicação te dá um retorno, que pode ser em forma de um relógio
que você vai comprar na semana que vem, um abraço que você vai receber na hora ou
um momento com amigos em um estádio lotado, onde all the kids they dance, all the kids all night, until monday morning
feels another life, I turn the music up, I'm on a roll this time.
And heaven is in sight.
Show do Coldplay - Allianz Parque |