Saí mais cedo de casa,
já pensando que entre cruzar a cidade, devolver o carro alugado e despachar a
mala, era possível haver imprevistos. Cheguei ao LAX com
menos tempo livre do que previa, graças à demora na devolução do Nissan Versa –
que foi parar na minha mão depois de o Ford Focus apresentar um problema no
motor e de o Hyundai Elantra ficar sem pneu.
Procuro um ser humano
no guichê do check-in da United, pronto para voar “the friendly skies”. Não há
nenhum. Uma atendente se aproxima.
- Vai fazer check-in?
Não, não. É que eu
gosto de visitar aeroportos e trazer minha mala pra passear.
- Sim.
- É tudo automático. Você
tem que usar aquela tela ali – esclareceu ela com a cortesia típica de alguém radiante
em estar trabalhando às 10h da noite de um domingo.
Coloco minha mala na
balança. 56 libras. Um novo atendente se manifesta.
- O limite é 50. Você
precisa tirar 6 libras.
Explico que meu ticket
me permite levar 70 libras. Ele ignora. A primeira atendente retorna. Aquela,
radiante em estar trabalhando às 10h da noite de um domingo.
- Qual é o problema?
- Meu voo é parte de
um trajeto internacional para o Brasil, por isso posso despachar duas malas de
70 libras.
- Não, não pode. Se
quiser discutir, vai falar com aquela senhora no guichê número seis.
Sigo com minha bagagem
até o guichê número seis. Uma senhora de um metro e cinquenta se aproxima. Não
sei dizer se era asiática, latina ou ambos. Vamos chamá-la de Nancy. Explico a
situação a Nancy. Ela me olha com desdém. Ou melhor: com pena. “Esse idiota
acha que vai embarcar com uma mala de 56 libras!” Ela pergunta qual o destino
do meu voo.
- Filadélfia, com
conexão em Houston.
- Então, “querido”,
seu voo é local.
- Então, “querida”, o
site de vocês informa que este trecho, por ser parte de uma viagem com origem e
destino no Brasil, me permite despachar duas malas de 70 libras.
- Não, essa não é
nossa política – responde ela, nada “friendly”.
Desisto de discutir e
chego à conclusão de que é mais fácil transferir as 6 libras para minha bagagem
de mão e encerrar o assunto.
Forço o zíper
emperrado na bermuda e abro a mala no meio do saguão. Entre presentes e cuecas
usadas, resgato alguns itens mais pesados, como dois potes de limpa-carpete em
pó – os quais, descobriria depois, poderiam ter sido comprados com toda
facilidade na cidade-destino.
Neste momento, Nancy
se aproxima.
- Quando é mesmo seu
voo para o Brasil?
- Semana que vem.
Eis que Nancy começa a
gargalhar.
Não costumo ter
pensamentos homicidas, mas Nancy soube resgatá-los.
- Do que você está
rindo? – pergunto, contendo meus instintos.
Nancy ignora a
pergunta e volta, sorridente, ao seu posto no guichê número seis. “Friendly”.
Respiro fundo, sento
sobre a mala de mão para conseguir fechá-la e despacho a mala maior – não sem
antes provar para o atendente número 2 que não, eu não precisava pagar pela
mala despachada.
Corro para o controle
de segurança, a essa altura já em cima do horário para o voo. Passo pelo
raio-x. Um agente me chama para o canto.
- Senhor, precisamos
abrir a sua mala.
Aquela, que eu precisei
sentar em cima para conseguir fechar.
Ele retira o pote de
limpa-carpete em pó, é claro, e chama um novo agente, que ainda está em
treinamento.
- O senhor está
atrasado para o voo?
- Ainda não – respondo
apanhando o relógio, o celular, o laptop, o casaco, os sapatos e a pasta de
dente da esteira.
Luvas, máscaras,
conta-gotas: todo um aparato é utilizado para provar que não, o limpa-carpete
que deveria estar na mala despachada não é cocaína.
Enfim chego ao portão,
já no meio do embarque, e, seis horas mal dormidas depois, chego ao destino.
Reencontro minha mala de 50 libras na esteira e sigo ao encontro de minha irmã,
que me aguarda. Já a caminho do carro, algo chama sua atenção.
- Por que sua mala tem
pregos saindo pra fora?
- Que pregos? –
pergunto, antes de notar a famigerada mala sem um dos pés.
- Quer voltar lá pra
reclamar?
Retorno ao balcão de
malas perdidas e aguardo enquanto uma funcionária explica a um passageiro do meu voo que
sua mala pode estar em Nova Iorque, na Califórnia ou no Alasca.
- Posso ajudar?
- Sim. Vocês quebraram
minha mala.
Ela observa o dano.
- Seu voo era nacional
ou internacional?
Como é possível que
uma pergunta tão banal tenha se tornado tão complexa nas últimas horas?
- Nacional – arrisco.
- Então, é que para
voos nacionais a companhia não cobre danos nas rodas, nos pés o nas alças. Só
na estrutura.
- Bom, na verdade,
esse voo é parte de um ticket internacional...
Ela checa no
computador. Pergunto qual a lógica por trás de tal política.
- It’s business – ela
responde com um sorriso cúmplice. O ticket internacional é mais caro, logo, tem
cobertura maior.
Ela desaparece por
alguns minutos e retorna com uma mala nova em folha. Pela segunda vez em 12
horas, abro minha mala no meio do saguão e transfiro os presentes e as cuecas
usadas para a mala nova. A funcionária parte com a minha, que será consertada e
repassada a algum felizardo que tiver sua mala destruída em um voo “friendly”.
Chego em casa e logo
acesso o site da companhia, fazendo uma reclamação formal sobre o atendimento “friendly”
de Nancy e sua trupe, indignado com a falta informação de toda equipe. “Humilhado!
Desrespeitado! Decepcionado!”, para destacar algumas palavras. Drama!
Uma semana depois, já
de volta ao Brasil, recebo a resposta da United, com um pedido de desculpas
pelo comportamento de Nancy, porém afirmando que “após uma análise cuidadosa do
meu itinerário, foi constatado que a política de bagagem aplicada estava
correta.”
Respondo, frustrado,
encaminhando a informação dada pelo próprio site da companhia, provando que eu
tinha razão. Observo minha mala nova, buscando consolo. Mas meu esforço é em
vão.
Já posso ouvir Nancy gargalhando, triunfante, em frente ao guichê número seis, enquanto aguarda sua próxima vítima, que espera, inocente, voar “the friendly skies”.