Então. A história das cirurgias foi assim…
Notei num dia qualquer que tinha um pouco de sangue na urina. No dia seguinte, não tinha mais. No outro dia, tinha de novo. E assim foi por uma semana.
Aí num sábado à noite, estou num bar com o pessoal do curso, e lá está de novo o xixi do Chapolin – vermelhinho. Resolvo acabar com a palhaçada e dar um pulinho no hospital.
Sábado à noite o hospital é tão agitado quando a balada! Motoristas bêbados, crianças com convulsão e senhores com ataque cardíaco povoam a sala de espera.
Me aproximo da recepção, tentando ser discreto.
- Olá, estou com sangue na urina, posso ver um médico?
- Como?
- Tô mijando sangue, dá pra me atender?
- Ah, OK. Me passe seus dados e aguarde ali.
Eu já sabia a resposta, mas resolvo perguntar mesmo assim:
- Você pode me confirmar se meu plano cobre esse hospital?
- Não posso.
- Como assim!?
- Por lei, não podemos dar essa informação. Temos que te atender e só depois podemos informar se você está coberto ou não. Se quiser, pode ligar para o seu plano pra checar.
Deixa pra lá. Sento na cadeirinha e assisto a pessoas morrerem afogadas – Titanic está passando na TV.
Depois de uma hora – e de vááááááááários documentos assinados, o médico me atende. Faz perguntas, exame de sangue, urina etc. Coloco aquela camisolinha ridícula e aguardo na sala de emergência.
Na cama ao lado, uma garota acompanha o namorado que teve uma convulsão no ônibus e bateu a cabeça. Ela está tensa porque ele não tem plano de saúde. Ela conversa com o médico.
- Não podemos ir para o hospital da USC?
- Não. Ele não pode ser liberado sem fazer todos os exames.
- Mas eu não tenho plano, como eu faço?
- Ah, isso eu não sei. Você vai receber uma conta de alguém… agora se você vai pagar ou não, é outra história. O sistema tá ferrado, mesmo.
Nesse espírito positivo, o médico sai da sala. Duas horas depois, ele ainda não voltou. Pergunto para uma enfermeira o que aconteceu.
- Ele teve um “code blue”, já deve estar voltando.
Depois de mais uma hora – e de uma prisão de um motorista bêbado - ele volta.
- Seus exames estão OK. Procure um urologista.
Semanas depois, lá estou eu no urologista. Mais exames. Sangue, urina, raio X, ressonância, ultrassom e afins.
Resultados em mão, ele me mostra as imagens dos meus rins.
- Tá vendo esses pontinhos brancos bem discretos no rim esquerdo?
- Tô.
- Então, são pedrinhas bem pequenas. Agora olha o rim direito.
Uma mancha branca surge na tela.
- Isso é uma pedra de 5 centímetros. Por causa do tamanho, recomendo fazer uma ureteroscopia.
Bacana.
Dias depois, lá estou eu de novo no hospital. Assino mais váááááários documentos, faço os exames pré-operatórios. A enfermeira me dá todos os detalhes da cirurgia.
- Olha, quando você acordar da anestesia, vão te mostrar uma escala de dor. Fale a verdade! Se você estiver com dor, é aí que vão te dar a “coisa boa”, direto na veia. Depois disso, é só comprimido que demora meia hora pra fazer efeito.
Mais alguns dias depois, lá vou eu pra cirurgia naquela mesma camisolinha ridícula – dessa vez com a bunda de fora.
A anestesia geral é sensacional! Quando começo a perceber “nossa, acho que já estão me dando a an—“, já estou dormindo.
Acordo em outra sala, completamente grogue. O médico se aproxima, sorrindo.
- Não pude tirar a pedra porque havia uma infecção, mas já coloquei o catéter. Vamos remarcar a cirurgia.
- Hein?
Sou transportado para outra sala. Começo a acordar de verdade. Uma vontade ABSURDA de ir ao banheiro. A enfermeira, uma senhora filipina com um sotaque irritantemente incompreensível, explica que a dor é por causa do catéter – não há nada de urina na minha bexiga. Ela me mostra a escala de dor, minha velha conhecida
- Numa escala de 1 a 10, qual a sua dor?
- Nove.
A dor continua. A enfermeira volta meia hora depois, faz a mesma pergunta. Obtém a mesma resposta.
- Mas se eu tô com essa parafernália plugada em mim, você não pode me dar um remédio na veia?
- Não, só posso dar outro Vicodin depois de 4 horas.
- E eu vou ficar com dor enquanto isso!? Eu preciso mijar!
- É, chama “urgency”. É por causa do catéter.
Não quero saber a p&%a do NOME da dor! Eu quero que ela pare!
Mas não há nada a fazer senão esperar. O remédio começa a fazer efeito, a dor melhora. Sou liberado.
Os próximos dias são de altas drogas – Vicodin de 4 em 4 horas – até marcarem a próxima cirurgia, que seria dali a cinco dias. Seria.
Sem notícias do hospital, ligo pro médico um dia antes da suposta nova data.
- O outro urologista quebrou a máquina estamos esperando consertar.
Bacana.
Volto no consultário do médico, ele explica todos os detalhes da cirurgia anterior e, enfim, agenda a nova cirurgia.
- Ah, aproveitando. Essa pinta aqui no meio peito tá meio estranha.
Ele examina.
- Mas você tá zoado, hein?
Ele diz que pode remover a pinta na próxima cirurgia. 2 por 1!
Lá vou eu pro pré-operatório, assinar mais váááááários documentos. As enfermeiras já são minhas amigas de infância.
- Esse seu plano de saúde é bom, hein? Da onde é?
- É do governo.
- Ah, é? Porque você tem plano do governo?
- Porque trabalho na C.I.A. – brinco.
- Sério!? O que você faz lá?
Sorrio. Explico a brincadeira.
- O sistema tá dizendo aqui que você tem um co-pagamento de US$150…
-Não, é de U$15.
- Hum… Peraí.
Muitas pesquisas depois, ela volta. Eu tinha razão.
No dia da cirurgia, chego ao hospital às 7h da manhã para o check-in.
- Bom dia. O sistema tá dizendo aqui que você tem um co-pagamento de US$150.
…
- Não, é de US$15. E eu já paguei.
Muitas pesquisas depois, ela volta. Eu tinha razão. De novo.
Enfim, faço a cirurgia. A pedra vai embora. A pinta vai embora. O pinto quase vai também. Mas ele sobrevive – mesmo depois da retirada do catéter, um procedimento surreal que se parece com fazer xixi ao contrário. Sem anestesia.
Depois de uma semana coando urina – que não é problema nenhum em casa, mas que gera várias perguntas em banheiros públicos – volto ao médico. Com todos os resultados em mãos, ele explica cada elemento em excesso, cada alimento que deve ser evitado e, finalmente, dá o veredito...
- Você precisa tomar mais água.
…E “não tomar água” teria me custado 59 mil dólares se eu não tivesse plano de saúde.