Quando
eu era criança, um dos meus programas favoritos era ir ao McDonald’s: um McChicken,
uma batata média, um guaraná e um nuggets de seis com molho caipira e eu estava
no céu. Se fosse seguido de um cinema, então, o dia ganhava o status de melhor
dia do ano.
Lembro
o dia em que um vizinho comentou, todo animado, que almoçava toda terça-feira no
McDonald’s porque ficava até tarde na escola. Outro vizinho, mais velho e mais cínico,
devolveu: “Eu almoço quando quiser”.
Eu
logo virei o outro vizinho. Comer no McDonald’s passou a ser a opção C e ir ao
cinema virou parte da rotina. Vieram novas experiências, novas ambições e, sem
perceber, foi ficando cada vez mais trabalhoso ter a mesma satisfação que um
mero fast food me trazia aos doze anos
de idade.
Ano
passado, fui ao Burger King gravar um vídeo para um cliente. Precisávamos
registrar pessoas comendo, e meu chefe disse: "Podem pedir o que quiserem". Olhei
para minha colega e percebi que ela tinha nos olhos o mesmo brilho que eu.
Parados em frente ao balcão, era como se eu voltasse a ser aquela criança
prestes a pedir um McChicken. Nós rimos. Ambos, felizmente, podiam tranquilamente
bancar aquela refeição, mas o fato de podermos escolher hambúrgueres e batatas
fritas ao bel-prazer nos trouxe uma alegria tão inocente, tão simples. E como é
bom alegrar-se com as coisas simples…
Recentemente
estive em uma cidade do interior de São Paulo, junto a algumas dezenas de
jovens voluntários, para uma tarefa ousada: construir uma capela em três dias. Toda
comunidade se movimentou para receber e alimentar as setenta bocas famintas. A
cada dia, depois de horas de trabalho sob o sol, a refeição era sempre um dos
momentos mais esperados. Não havia luxo, não havia frescura: havia o carinho de
pessoas que passaram dias buscando doações de alimentos e horas preparando
panelas e panelas de comida para alimentar nossos corpos suados.
Você
entra na fila, pega o seu prato, equilibra um garfo ou uma colher — e com sorte
uma faca — e observa os rostos sorridentes amontoando arroz, feijão, farofa,
macarrão, carne, batata, cenoura, tomate e salada a sua frente. Com a outra
mão, você pega um copo de plástico com suco e um guardanapo e procura uma
sombra: pode ser uma cadeira, um banco, um pedaço de madeira ou um espaço no muro
onde você simplesmente possa apoiar as costas. Você tenta explicar para o
cachorro vira-lata que aquela comida é só para você e usa todo o equilíbrio adquirido
no alongamento da manhã para se sentar sem derrubar o suco, a salada, o garfo e
o guardanapo. O prato de vidro está quente com os dois quilos de comida, então
você usa o capacete no colo como apoio e se prepara para dar a primeira garfada
sem derrubar um grão de arroz.
Essa
será a melhor refeição da sua vida.
Você
dá risada ao se lembrar da vez em que reclamou da falta de um jogo americano no
restaurante; você termina de comer, alguém gentilmente aparece para retirar seu
prato, repor seu suco ou oferecer uma gelatina. Você tem meia hora até voltar
para a obra e não pensa duas vezes: estica as pernas ocupando toda sombra do
muro de cimento, tira os sapatos, apoia a cabeça no capacete e fecha os olhos. Você
está no céu. Minutos depois você acorda mais descansado do que poderia
imaginar, pronto para voltar para o sol e carregar mais vigas de madeira.
O
ritmo da minha vida — e sei que o da maioria das pessoas — é sempre muito
agitado. Há sempre algum lugar para ir, algo importante a fazer, algo novo a
conquistar. E não vou mentir: eu gosto disso. Gosto de ter metas, de ter
ambições, de tentar ser melhor, estar melhor.
Mas
é um privilégio, nesse ritmo louco, ter a chance de parar por um instante e lembrar
que o chão de asfalto pode ser tão macio quanto um travesseiro de plumas.
Foto: Rafaela Romanato |