Decidi que
era hora de ele voltar a viver e levei-o a uma assistência técnica.
- Olá,
vocês por acaso conseguem desbloquear este aparelho pra que ele funcione no
Brasil?
Simpática,
Janaína disse que precisaria fazer alguns testes e me daria um retorno no dia
seguinte. Comprei uma capinha para o meu iPhone e parti.
No dia
seguinte, ela me retorna:
- Conseguimos
sim. Vai ficar 95 reais.
Hesitei.
Não precisava daquele aparelho para nada, mas sentia que ele precisava existir
e exercer sua função de conectar pessoas. Quantas mensagem já não haviam sido
trocadas nele! Quantas ligações, quantos almoços combinados, cinemas
agendados... Não poderia privá-lo de tantas outras aventuras que ele ainda poderia
vivenciar. Aceitei.
Na semana
seguinte, Janaína me recebe com o aparelho em mãos. Ela testa um chip da Oi.
Não funciona.
- É, então,
ele só funciona como Nextel, mesmo.
- Oi?
- Esse
aparelho é só Nextel – diz ela, segura.
- Não, não
é. Eu sempre usei como um aparelho normal.
Surge
Gustavo, o irmão/colega/chefe/namorado/cara-que-resolve-pepino.
- Olá. Qual
é a situação?
- Eu deixei
esse celular pra desbloquear, mas ninguém me avisou que só seria desbloqueado
para Nextel.
- Bom, mas
isso era óbvio.
- Oi?
- Esse
aparelho é um Nextel, não é um celular.
- Ah, não?
E como é que eu usava como celular comum?
- Mas aqui
no Brasil é só Nextel.
- E vocês
não pensaram em me dar essa informação quando eu deixei o celular aqui e
perguntei: “Dá pra desbloquear?”
- Mas isso
era óbvio.
Notei que a
argumentação não iria muito longe. Frustrado, decidi tentar um acordo quanto ao
valor.
- Vocês me
dão um desconto, já que o serviço foi incompleto, e ficamos todos felizes.
Mas isso, é
claro, não era óbvio pra eles. Vencidos
pelo cansaço, consegui o desconto e parti, resignado à situação.
No dia
seguinte, levo o aparelho a um amigo. Ele insere seu chip Nextel. Não funciona.
Tento outro chip. Nada. É óbvio...
Nesse
momento, como Ben Stiller em A Vida Secreta de Walter Mitty, uma realidade paralela
forma-se na minha frente.
Me imaginei
voltando à loja, revoltado, onde Janaína e Gustavo ririam da minha cara,
recusando-se a refazer o serviço, dizendo: “Você deveria ter testando um chip
Nextel antes de sair da loja. É óbvio.” Me imaginei
roubando as capinhas de celular penduradas na parede e saindo da loja vingado. Eles viriam
atrás, mas já seria tarde – meu carro já estaria disparando rua abaixo. Pelo
retrovisor, eu os veria gritando revoltados enquanto eu sorriria. Na esquina
seguinte, um reviravolta: policiais me alcançariam e me trariam de volta. Janaína e
Gustavo me acusariam de tê-los roubado. Eu me faria de ofendido e mostraria o comprovante
de débito do cartão, provando que havia pago pelas capinhas – que venderia em segredo
e recuperaria o valor perdido e um pouco mais. Indignados,
os pombinhos refutariam inflamados que aquele valor se referia ao desbloqueio.
“É óbvio!” Nesse
momento, eu sacaria o celular triunfante e mostraria ao policial: "Que
desbloqueio? Meu celular está bloqueado! Não sei do que eles estão falando!" Os
policiais sairiam da loja – não sem antes ralhar com o casal – e me pediriam
desculpas. Eu daria um sorriso triunfante e partiria de carro, com o
porta-luvas recheado de capinhas de celular.
Mas a vida
às vezes é anticlimática e faz com que Gustavo peça desculpas pelo ocorrido e
devolva o celular devidamente desbloqueado dias depois.