(Aviso: sei
onde este texto começa, mas não sei bem onde vai acabar.)
Nos últimos
meses tenho pensado muito no “primeiro dia”: o primeiro
dia de aula, o primeiro dia de trabalho, o primeiro dia de viagem.
Quando era
pequeno adorava o primeiro dia de aula. Abrir os livros novos, conhecer os
professores, os colegas de classe... Lembro que na sétima série fiz uma viagem
com família em fevereiro e fiquei extremamente desapontado por perder o
primeiro dia de aula – para estar em alto mar.
Já mais
velho, os “primeiros dias” começaram a vir acompanhados de uma certa tensão. O primeiro dia
de trabalho trouxe um “será que eu vou conseguir dar conta? “Será que eu vou
gostar daqui?” “Será que vão me chamar pra almoçar?”
O “primeiro
dia” também me faz lembrar das “primeiras vezes”. A primeira
vez que vi alguém, que visitei um lugar, que fiz alguma coisa.
A primeira
vez que fui ao cinema foi para assistir a “Esqueceram de Mim.” A extinta Sala 3
do Shopping Ibirapuera era pequena e estava lotada. Alguém alto sentou na minha
frente e tive de mudar para a poltrona ao lado e dividi-la com uma amiga para
poder enxergar Kevin McCallister enganando os ladrões. Lembro bem dos logos da
Paris Filmes que dominavam aquele cinema. Mal sabia eu que mais de duas décadas
depois estaria trabalhando naquela empresa.
Aquele
primeiro dia de trabalho também foi inesquecível. Minha chefe, grávida e
hilária, me mandou assistir à cabine de “Boa Noite e Boa Sorte” e depois
separar clippings, enquanto ela respondia e-mails, agendava entrevistas e marcava
um doppler com o ginecologista.
Nunca mais
esqueci os títulos dos filmes que distribuímos, nem o cheiro daquela sala de
reunião, nem as pessoas que trabalharam comigo durante três anos e meio e que
hoje são grandes amigos.
Muita gente
entra e sai da minha vida sem hora marcada, mas alguns primeiros encontros
não saem da memória.
Foi numa
primeira conversa sobre a P-0 nos corredores do Anglo que Bob começou a se tornar
meu melhor amigo, há mais de dez anos. Gritos exaltados em uma FestECA marcaram
um primeiro encontro com outro grande amigo; uma conversa sobre um
quase-acidente na estrada para Ubatuba e um convite para um almoço
naquele-restaurante-que-parece-o-Subway na Hollywood Boulevard marcaram outros: todas histórias com um
começo bem definido, mas sem data para acabar.
Na minha primeira semana nos EUA – uma integração em Boulder, Colorado – conheci a primeira brasileira. Ela
estudaria Biologia em Austin (cidade que conheceria quase dois anos depois).
Foi também por lá que tomei minha primeira cerveja no país – com uma
paquistanesa que estudaria Jornalismo. O primeiro sushi foi para atender os
desejos de uma psicóloga dominicana, que acabou pedindo o sushi errado e não
conseguiu terminá-lo.
A
brasileira continua em Austin, a paquistanesa voltou para o Paquistão e a
dominicana casou-se e teve um filho. Em comum, temos aquela a semana em
Boulder, o status de Fulbright Alumni e o fato de nunca mais termos nos visto.
Também foi
nos EUA – já em Los Angeles, na casa de uma colega – que usei uma máquina de
lavar roupa pela primeira vez. Como se diz amaciante em inglês, mesmo? Lembro
do seu espanto e do seu riso ao saber que "nunca tinha feito aquilo antes"; da sua fascinação em perceber que aquele dia tão trivial ficaria marcado na minha vida –e talvez na dela.
E assim fui
me dando conta de que cada dia que começa traz a chance de fazer algo pela
primeira vez; de que cada dia que começa tem o potencial de ser o primeiro dia de uma
nova história que está começando e eu nem percebi.
(E acabou
que este texto acabou no primeiro dia do ano.)