sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O jantar


Fazia anos que não saíam para jantar.

Naquela noite, ele quase se esqueceu das reservas que ganhara de aniversário. Já estava na cozinha, prestes a assar uma batata quando ela veio relembrá-lo.

Chegaram ao restaurante assim que abriu, às oito em ponto. Quem sabe não voltariam a tempo da novela? Sentaram-se no mezanino, a uma distância segura do piano. Aceitaram o couvert enquanto olhavam o cardápio.

- Tire o chapéu. É feio usar chapéu na mesa.

Ele olha ao redor, despreocupado.

- Não tem quase ninguém aqui.

Ele volta-se para o cardápio.

- Acho que vou pedir uma salada caprese de entrada.
- Não come tanto pão! Depois não aguenta a comida e fica empurrando pra mim – ela replica, enquanto ele espalha mais ricota temperada no pão integral.

Ela decide pedir uma taça de vinho.

- É suave? – ele pergunta ao garçom.
- Esse que ela pediu é mais seco.

Ele não gosta. Ela não liga.

- Não importa, o vinho é pra mim, pode trazer.

Chega o vinho, chega a salada. Ele encara com bom-humor os quatro tomates pelados e o manjericão frito.

- …E isso custa trinta reais? Ainda bem que eu não tô pagando.
- Mas precisa sempre falar do preço da comida?
- Eu tô brincando!

Ele põe um quarto do tomate no prato dela; ela come, contrariada. Ele continua a investigar os elementos perdidos em sua salada.

- Ah, isso é uma mussarela de búfala. Achei que era um ovo de codorna.
- E você não sabe o que é “caprese”? O risoto que você pediu é a mesma coisa: tomate, mussarela e manjericão.
- Ah… Não vejo a hora de poder comer carne de novo.

Ele coloca mais tomate no prato dela.

- Eu não quero.

Ele come o pão. E ela come o tomate. O garçom se aproxima com duas xícaras.

- Nós não pedimos isso – ela informa.
- É creme de legumes. Presente do chefe.
- Ah, então tudo bem – anima-se ele, antes de queimar a língua com a sopa quente.

Discretamente, ele tenta molhar o pão na xícara.

- Isso é feio. Nem ouse!

Ele ousa.

A luz diminui, o piano começa a tocar, os garçons começam a cantar.

- Você gosta desse tipo de música? Porque eu não vejo muita graça – revela ele, como que se desculpasse. Ela aplaude, animada.

Chega o risoto dele; chega o torteloni dela. Eles comem em silêncio, tentando identificar a comida sob a meia-luz.

Ele coloca uma garfada de risoto no prato dela.

- Eu não quero. Falei pra não comer tanto pão.
- É só pra experimentar.

Ela cede.

- É bom.

O garçom traz um novo cesto de pão. Os olhos dele brilham. Ela se esforça para terminar o último tortelonni.

- Não quer experimentar? É uma delicia.
- Não, não, já estou cheio – responde ele, enquanto engole o ultimo pedaço de pão.

Ele empurra o prato de risoto em direção a ela, em uma derradeira tentativa de evitar o desperdício. Ela o empurra de volta:

- Já falei que eu não quero, mas que coisa! Mania de querer empurrar tudo pros outros!

O garçom retira os pratos e traz o cardápio de sobremesas. Eles demoram a se decidir. 

- Eu não aguento mais nada! - diz ele.

O garçom retorna:

- Decidiram?
- Sim - diz ela. - Vou querer um crème brulée.
- Sim, senhora.
- …Com duas colheres, por favor.

Após quarenta anos de casado, ele já não se surpreende.

- Falei pra não comer tanto pão…