Há cerca de um ano, ao sair da minha casa em Burbank para
passear com Lebowski, o cachorro, deparei-me com uma moeda de um centavo no
asfalto. Depois outra. E mais uma. Quando notei, já havia apanhado cerca de
trinta moedas que, pelo estado em que se encontravam, estavam caídas ali já havia
algum tempo.
* * *
Na semana passada, após oito meses no Brasil, voltei aos EUA
para realizar algumas reuniões de trabalho, reencontrar os amigos e, é claro,
rever o cachorro. Há meses ansiava por essa viagem: não via a hora de rever as
pessoas, visitar os mesmos lugares, comer as mesmas comidas. Esperava, de
verdade, que as coisas estivessem como antes para que eu pudesse, ainda que por algumas semanas, reviver um pouco daqueles anos tão incríveis.
Como das outras vezes, o voo da American Airlines fez
conexão em Dallas. Ao chegar ao LAX, corri para a mesma esteira e esperei até que
minha bagagem surgisse, enquanto espiava do lado de fora procurando pelo carro de Logan,
meu anitgo roommate, que viria me buscar – como das outras vezes. Lebowski estava no carro e chorou ao me
ver. Dormiu no meu colo em todo trajeto pela rodovia 405 - que continua em obras.
Fiquei hospedado na mesma casa em Burbank, onde meus roommates
ainda vivem, e encontrei tudo como antes – exceto os tapetes, que já não existem mais. Até mesmo o muro que separa a rua sem saída da rodovia continua em
construção.
Na escola que frequentei por dois anos, os novos alunos estão
de férias e as cadeiras estão vazias. As salas agora têm ar condicionado; os
banheiros foram reformados e o retrato da minha turma agora está pendurado na
parede ao lado dos grandes talentos que passaram pelo AFI. Mas apesar das mudanças
superficiais, os mesmos largatos continuam a cruzar o campus; Mark ainda trabalha
na sala de informática; Bart ainda cuida da segurança e Angela ainda abre um
sorriso quando me vê na biblioteca.
O Chicken Bellagio ainda está no menu de Lunch Specials do Cheesecake Factory e continua uma delícia – embora um dólar mais caro; o Niko Niko Sushi ainda tem o combinado de três itens por $11,99; meu cartão do supermercado ainda está ativo e meu computador conecta automaticamente à internet, seja em casa, no AFI ou no Starbucks.
Passados poucos dias, sinto-me como se nunca tivesse saído
daqui.
Mas isso significa também que alguns pequenos hábitos de
Logan ainda me incomodam; que como em São Paulo o trânsito de Los Angeles
também faz parte da minha rotina. E como eu tinha me esquecido da
individualidade dos americanos?
Aí reparo que os fios aparentes da TV de casa que precisavam ser
ajeitados continuam ali – aparentes; a caixinha do home theater que se soltou
da parede continua no chão e a lâmpada da escada continua queimada. O livro que
deixei sobre a mesa da TV continua ali, intacto. Meus vidros de tempero
ainda estão na dispensa; meu amaciante ainda está no prateleira da lavanderia e minha
maionese venceu na geladeira.
Tudo. Exatamente. Igual.
Era como eu esperava... só que havia me esquecido de que não
sou mais o mesmo.
Então lembro que estar aqui inclui ter saudades de casa;
inclui querer contar tudo aos amigos quando voltar e ver suas caras ao abrir os
presentes. Inclui saber de fato que o dia é único e precisa ser aproveitado
porque tudo aquilo que torna aquele momento especial tem dia e hora pra acabar.
...E aí percebo que mais do que tomar o sorvete de café do Trader Joe’s, era disso que eu sentia falta.
Ontem, ao sair da minha casa em Burbank para passear com
Lebowski, deparei-me com uma moeda de um centavo no asfalto. Depois outra. E
mais uma. Pelo estado em que se encontravam, estavam caídas ali já havia algum
tempo.