Certo dia,
sentado à mesa do almoço, meu pai me olha com certa admiração e diz: “A
vantagem da sua profissão é que você só trabalha quando está inspirado, né?”
“Sim,” respondi. “E o segredo é estar inspirado todo dia às 9h da manhã...”
* * *
Adaptar-me
à vida errática de roteirista não foi nada fácil. Sempre fui extremamente organizado.
Acostumado a ter tudo planejado e sob controle, quando me perguntam: “Filipêêê!
Você tem um grampeador?” a resposta é: “Sim, na segunda gaveta, entre a
calculadora e a caixa de grampos.”
Mas quando
chegar ao trabalho às 9h e executar tarefas até às 18h deixou de ser a minha
realidade, comecei a ter de enfrentar novas decisões a cada manhã: em que projeto trabalhar
hoje? Quando fazer comentários naquele outro roteiro? Que horas sentar para
terminar de ler o livro?
Quando você
vai ver são cinco da tarde, você assistiu a cinco episódios de Modern Family, não
fez supermercado e não escreveu uma palavra.
Percebi que precisava
de uma rotina, nem que fosse apenas para fugir dela. A liberdade total com a qual me
deparava todas as manhãs, contrariando todas as expectativas, matava minha
produtividade... até que Marta Kauffman acendeu a luz no fim do túnel.
Durante uma
de suas aulas de Roteiro de TV, entre exibições de pilotos desconhecidos e
histórias sobre como Friends surgiu, Marta perguntou sobre os processos de
escrita de cada um: “Vocês escrevem até cansarem e depois param? Escrevem até
atingirem um número de páginas? Escrevem só quando estão afim?”
Demos
nossas respostas, provando que ninguém tinha, de fato, um processo. Foi então
que ela revelou: “Eu faço pausas programadas. Escrevo por X horas, depois paro
por Y minutos, vou brincar com o cachorro, resolver o que tiver para resolver,
depois volto a escrever por mais X horas e por aí vai.”
E foi assim,
numa típica terça-feira de sol na sala 102 do Warner Building, que encontrei
meu caminho.
Com a capacidade de atenção de uma criança de 8 anos, a ideia de sentar
para escrever por quatro horas seguidas sempre me foi inconcebível. Já em doses
homeopáticas... Lembrei que
durante mais de uma década fui capaz de me concentrar em aulas de 50 minutos e resolvi
usar esse número mágico: passei a escrever por 50 minutos sem qualquer
distração com pausas de 10 minutos para resolver qualquer outro assunto
(leia-se: checar e-mails e redes sociais); coloquei um bloco de papel ao lado
do teclado para tirar da cabeça qualquer pensamento intruso que invadisse minha
mente naqueles 50 sagrados minutos; fiz um cronograma de tudo que precisava
entregar até o fim do semestre e percebi que com apenas quatro “slots” diários
de 50 minutos poderia cumprir todos os prazos.
Sem saber,
Marta Kauffman havia me resgatado do poço da ausência de rotina.
De volta ao
Brasil, sem emprego formal ou qualquer prazo real de entrega de projetos, criar
uma rotina foi a melhor única maneira de sobreviver na profissão. E não
só na profissão: foi assim, com uma rotina de exercícios físicos diários, que
perdi em cinco meses o dobro do peso que ganhei em dois anos nos EUA; foi com cotas de
leitura diárias que consegui terminar os livros que iam ficando de lado.
E foi
com slots de 50 minutos que consegui continuar a escrever – ainda que
“escrever” signifique, muitas vezes, olhar para a tela em branco do computador enquanto
as vozes da minha cabeça tentam se entender.
É comum
querermos sempre fugir da rotina, mas não tê-la é tão difícil quanto estar
preso a ela. E entre a apatia de desperdiçar um dia livre e a insanidade de
estar atrasado para um compromisso que só existe na minha cabeça, prefiro ser
louco.