quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

!kbhit()

Um das coisas que pude observar com clareza durante minha temporada nos EUA foi a diferença no conceito de amizade que existe entre aqui e lá.

Certa tarde em um evento em Los Angeles, durante uma conversa despretensiosa, uma mulher me perguntou:

- Quantos amigos você tem?

Parei. Pensei. - Ah, não sei, muitos.

- Não, mas assim, amigos próximos...

- Sei lá, pelo menos uns vinte.

- Não, você não entendeu. Me refiro a amigos, assim, que você confia mesmo, que você conversa com frequência, com quem você pode contar.

- Acho que foi você quem não entendeu – respondi sorrindo, antes de repetir. – Pelo menos vinte.

Muitos dos meus amigos são amigos há uma, duas décadas. Tem os amigos do prédio onde eu nasci, que são amigos, literalmente, desde que nasci. Tem os amigos do Jardim II, os da 1ª série, os da 3ª, os da 7ª e os do 1º colegial. Surpreendentemente, tem os grandes amigos do cursinho – quem faz amigos no cursinho?

E tem também o !kbhit().

Conheci os primeiros membros do !kbhit() no melhor estilo “amigo-da-namorada-do-primo-da-vizinha-da-minha-vó.” Depois de uma viagem despretensiosa, percebi que tinha muito mais em comum com aquele grupo de engenheiros do interior que faziam paródias musicais do que com o mundo do qual fazia parte naquele momento. E assim o !kbhit() passou a ser composto por “dez engenheiros e o Coxa”.

Sem nunca ter assistido a uma aula daquela universidade, frequentei jogos universitários, fui batizado como membro honorário de uma república; fui a churrascos, formaturas; gritei o hino da faculdade como se tivesse feito parte daquele universo. E de certa forma, fiz.

Aos poucos, passei a ser apresentado como “amigo da faculdade” - era mais fácil assim.

Aos poucos, fui confirmando minha teoria de que amizade requer manutenção; que se deixada guardada como uma caixa de ferramentas que só sai do armário quando necessário, ela enferruja.

Aos poucos, fui percebendo que às vezes é difícil explicar porque se é amigo: às vezes simplesmente se é.

Um dia, Logan, meu roommate, notou um banner na parede de meu quarto com fotos do !kbhit() que ganhei de presente antes de sair do Brasil. No topo, uma frase dizia: "Todo bom jogador tem uma torcida fiel” - !kbhit(). E então veio a pergunta:

- O que significa “quei-bi-rráit”?

- É “ca-be-rrit” – disse rindo, corrigindo sua pronúncia, enquanto pensava em uma resposta.

Talvez o mais correto fosse dizer que !kbhit() é uma função utilizada em linguagem de programação.

Mas eu poderia dizer que !kbhit() é um grupo de e-mail em que você será xingado dia sim, dia não, e que você vai se sentir especial por isso. Ou que é um grupo do qual você pode ser excluído se não der sinal de vida – ainda que seja xingando alguém – porque xingar ou ser xingado simplesmente significa que você se importa.

Eu poderia dizer que !kbhit() é um banco de paródias musicais, criadas nas horas mais surpreendentes, reveladas a seus homenageados nas horas mais inesperadas, e tão contagiantes que torna impossível cantar a letra original outra vez.

Eu poderia dizer que !kbhit() é o organizador de um evento musical anual, onde membros divididos entre “os que sabem tocar alguma coisa” e “os que não sabem” formam duplas e são avaliados em critérios rigorosos definidos em um documento impresso, disputando um troféu a ser entregue pelo júri – composto por suas namoradas.

...Ou que ser !kbhit() é dar carona para alguém que está em outra cidade, afinal “é um desvio de duas horinhas, nem isso!” É fazer um bate-volta a uma cidade a 300 km - só pra dar um oi a alguém que você não vê há algumas semanas – e voltar para trabalhar às 6 da manhã do dia seguinte.

...Ou que ser !kbhit() é entender de verdade o significado de compaixão. É viajar para passar um carnaval inteiro na sala de espera de um hospital, enquanto seu amigo passa o carnaval inteiro na UTI, em coma, no mesmo hospital. 

...Ou que ser !kbhit() é lembrar constantemente que “viver continua sendo sensacional”. É ter sempre uma torcida fiel, não importa qual seja o seu jogo.

Mas olhei para Logan observando aquele banner coberto de fotos, mensagens e assinaturas, e, utilizando o melhor eufemismo que pude encontrar, respondi:

- É um grupo de amigos.