Desde que me mudei para uma casa no subúrbio de Los Angeles minha relação com animais de toda sorte tem sido bastante intensa.
O mais proeminente deles é Lebowski, o cão. Sua presença é sempre notável por seus movimentos bruscos, sua cara de pidão e, acima de tudo, pela quantidade absurda de pêlos espalhados pela casa. Há também os esquilos, que correm do lado de fora da casa, e que enlouquecem Lebowski. E há ainda uma série de animais menores, menos companheiros e bem menos agradáveis.
Comecemos pelas baratas. Nas primeiras semanas na casa, éramos recebidos na garagem por uma família de três, quatro, às vezes oito baratinhas, ansiosas por companhia. Alguns dias e algumas latas de veneno depois, desapareceram. Esporadicamente um membro da família volta para uma visita… mas não sobrevive.
Tem também as formigas. Essas vêm em fases. Ficam meses sem dar as caras, mas quanto voltam, voltam em bando, pra passar umas férias. Um dia invadiram o lavabo, com ovinhos e tudo. Tiveram de ser aniquiladas – um verdadeiro genocídio. Em uma outra ocasião, invadiram a lava-louças. Nada grave, exceto pelo fato de que alguém teve a genial ideia de matá-las com um spray anti-inseto. Resultado? Cinco ciclos de lavagem até que os pratos perdessem o sabor de veneno. Recentemente invadiram a dispensa. Venenos em spray e “ant-traps” surtiram um efeito semi-satisfatório. O próximo passo será adquirir um tamanduá.
Há ainda as moscas. Como todas as janelas têm uma tela de proteção e a casa está sempre fechada devido ao ar condicionado, elas raramente entram. Mas também, quando entram, raramente saem. As moscas gostam de companhia, tadinhas. Têm a casa toda para explorar, mas quando escapam da fúria das patinhas de Lebowski, ficam por ali, rondando o computador, clamando por atenção. Recentemente desenvolvi uma técnica bastante eficiente para eliminá-las. Abro a janela, e espero até que pousem na tela. Em seguida, num movimento ágil, fecho a janela, prendendo o indefeso animal entre o vidro e a tela. Dois dias depois, ela se junta às suas colegas de vala. Para obter o resultado desejado, é preciso manter a janela fechada por dois dias – um preço pequeno a pagar pela vitória.
Mas as minhas favoritas são elas: as aranhas! Aranha aqui é o que não falta. Nos primeiros dias foi difícil de me adaptar. Já entrava no quarto dando “oi” enquanto elas saíam de trás do quadro, do pôster, do relógio, loucas para me cumprimentar. Ao voltar de viagem, elas me esperavam em lugares mais aconchegantes: a pia, a banheira, a privada. Totalmente "Aracnofobia".
Aos poucos, fomos aprendendo a conviver. Elas migraram para fora de casa e raramente se aventuram pelos espaços internos. Uma vez no jardim, ah, como se proliferam! Dominam o território de uma forma que desafia as leis da física. Quaisquer duas hastes, desde que não movimentadas por mais de 24 horas, estarão fatalmente conectadas por uma teia de aranha.
Outro dia deixei minhas luvas de boxe sobre a mesa do jardim... por dois dias inteirinhos! Que erro primário… Devo admitir que não fiquei surpreso ao encontrá-las conectadas por uma suntuosa teia que abrigava sua anfitriã. Limpei tudo com um papel... mas cadê a coragem pra enfiar a mão ali dentro? Traz o aspirador, aspira dentro da luva por vários minutos, respira fundo, e vai! Sucesso.
Certa noite, Logan, meu colega de quarto, avista uma aranha em uma teia que vai da churrasqueira até a parede.
- Cara, é uma viúva negra. É melhor matar, vai que ela pica o Lebowski!
Concordei. Chamem-me de cruel, mas sou sempre a favor de matar aranhas, sobretudo dessas que matam a gente.
Preparamos a emboscada. Eu seguro a lanterna e ele a ataca com um spray em uma mão, e uma raquete em outra, só por segurança. Não sei se ela morreu envenenada ou afogada, mas o fato é que ela morreu.
- Melhor tirar ela daqui, vai que o Lebowski come!
Enquanto Logan apanha um copo descartável para recolher o cadáver, noto algo altamente perturbador: a um metro de distância, em uma outra teia, uma OUTRA viúva negra nos observa, à espreita. Seria a irmã? A prima? Não importa. Ambas têm o mesmo destino fatal e terminam a noite – e a vida – em um copo usado do Starbucks.
Mal sabia eu que meu contato mais íntimo com um animal peçonhento dar-se-ia algumas semanas depois, a 2.000 km dali, em Canyon Lake, Texas. Foi lá que passei o Spring Break, na casa de veraneio recém-construída da família de Logan. Durante a construção, Logan frequentemente contava sobre os animais encontrados: cobras, aranhas, centopéias venenosas e muitos, muitos escorpiões. Uma verdadeira casa dos sonhos.
Ao chegar na casa e conhecer sua família (e a família de Lebowski!), os animais peçonhentos da região tornaram-se assuntos constantes.
- Vocês encontram muito escorpião aqui na casa? – pergunto ao pai de Logan.
- Ah, toda hora! De vez em quando aparecem umas centopeias também. Dessas que queimam, sabe?
- Ah…
- Minha neta de 7 anos foi picada por um escorpião há uns meses. Apoiou a mão em cima de um...
- E teve que ir pro hospital?!
- Magina! Passei uma pomadinha e ficou tudo bem. Outro dia achei um no travesseiro da minha cama, mas não fala pra minha mulher, senão ela fica assustada!
Mas esse povo se assusta com qualquer coisa, não?
A semana passa, as malas estão prontas para o voo de volta do dia seguinte, e nenhum visitante maligno aparece. Despeço-me dos pais de Logan que partem um dia antes, e vou ao banheiro. Ao levantar a tampa do vaso, sinto algo queimando meu dedo. Em um reflexo, chacoalho a mão e vejo que algo cai dentro do vaso. Avalio meu dedo, que agora arde intensamente. Nenhuma marca. “Deve ter sido a tal da centopeia que queima”, penso. E eis que ao olhar dentro do vaso, lá está ele, nadando por sua vida: um escorpião.
Bato na porta de Logan.
- Cara, você não vai acreditar, mas eu acabei de ser picado por um escorpião.
- Tá me tirando, né?
- Juro.
Ele ri. - Peraí que eu vou ligar pro meu pai. (…) Ele falou pra passar essa pomada aqui. Eu vou dar uma cochilada, se você se sentir mal, me avisa.
- Tá... Não tranca a porta!
Passo a tal da pomada, volto pra Los Angeles, e no dia seguinte, nem sinal do ocorrido. Fica a história pra contar, e a foto (fora de foco) do animalzinho, nos seus últimos segundos de vida.
Semana passada, Logan me mostra a foto de uma tarântula, que caminha pela porta de entrada daquela mesma casa.
- E aí, vocês mataram?!
- Não, não. Elas comem os escorpiões!
Ah, então tá.
sábado, 23 de julho de 2011
terça-feira, 12 de julho de 2011
A conversação
Outro dia me peguei pensando em como é mais difícil aprender coisas novas conforme ficamos mais velhos. Talvez seja pelo fato de ser cada vez mais difícil selecionar as informações. Diferenciar o essencial do inútil. Quando crianças, sabemos que a informação necessária vem dos pais, da escola. Na faculdade, temos os professores, os livros que nos foram recomendados. Mas e depois? Quando não há uma fonte definida e segura de conhecimento, como continuamos a aprender?
Ultimamente tenho reparado que aprendo muito conversando com pessoas.
(Preciso abrir parênteses aqui. Não é sempre que aprendo conversando com pessoas, é verdade. Às vezes, me vejo em meio a um argumento em que o objetivo do outro não é defender seu ponto de vista, mas discordar do meu; um argumento em que “concordar em discordar” não é uma opção válida. Ontem mesmo tive uma conversa dessas. O que começou como um bate-papo sobre um filme de comédia, em poucos minutos tornou-se uma discussão acalorada, que me fez pensar: “Por que estou tendo essa conversa? Por que quero estragar a noite defendendo um ponto de vista para alguém que não se importa com ele?”)
Mas o fato é que grande parte das minhas boas memórias envolvem conversas. Teve uma com a minha vó, que aos 95 anos me solta um “não me arrependo de nada que fiz na vida”, assim, como quem não quer nada. Teve outra há uns cinco anos, sobre astronomia, com um conhecido, que depois desse dia tornou-se um grande amigo.
E teve uma com meu professor, semana passada.
Nos encontramos no Starbucks para conversar sobre meu roteiro. Ele chegou atrasado, de papete e meia, e foi até o balcão pedir um café. Começou comentando sobre meu roteiro, elogiando os personagens e apontando onde poderia melhorar a história. De repente, estamos conversando sobre sua vida, sobre seu passado em Kentucky, sua passagem pela marinha. Contou histórias sobre seus colegas de turma, falou sua opinão sobre filmes, sobre Hollywood, sobre o ensino de roteiro.
Contou que “nunca tinha sequer visto um roteiro antes de entrar no AFI,” nos anos 60. Falou que adora dar aulas, mas que às vezes “preferiria ensinar algo mais concreto, como… história da arte!” Falou que o ensino de roteiro faz muito mais sentido quando se trabalha com a prática, “resolvendo problemas concretos ao invés de transmitir conceitos genéricos.” E confessou que prefere não assistir a seus filmes, "pra não ver como eles cagaram tudo."
E eu fiquei ali, pensando em quantos não gostariam de estar no meu lugar, praticamente entrevistando aquele homem, que fala sem pretensão sobre sua vida enquanto derruba o café sobre as páginas do meu roteiro.
Meu professor é Tom Rickman, roterista indicado ao Oscar de Melhor Roteiro por “O Destino Mudou Sua Vida”. Seus “colegas de turma” são Frank Pierson, Paul Schrader, Terrence Malick e David Lynch. E no fim daquela conversa, reparei que em algum momento da minha vida aprendi algo que não se aprende nos livros: aprendi a ouvir.
Ultimamente tenho reparado que aprendo muito conversando com pessoas.
(Preciso abrir parênteses aqui. Não é sempre que aprendo conversando com pessoas, é verdade. Às vezes, me vejo em meio a um argumento em que o objetivo do outro não é defender seu ponto de vista, mas discordar do meu; um argumento em que “concordar em discordar” não é uma opção válida. Ontem mesmo tive uma conversa dessas. O que começou como um bate-papo sobre um filme de comédia, em poucos minutos tornou-se uma discussão acalorada, que me fez pensar: “Por que estou tendo essa conversa? Por que quero estragar a noite defendendo um ponto de vista para alguém que não se importa com ele?”)
Mas o fato é que grande parte das minhas boas memórias envolvem conversas. Teve uma com a minha vó, que aos 95 anos me solta um “não me arrependo de nada que fiz na vida”, assim, como quem não quer nada. Teve outra há uns cinco anos, sobre astronomia, com um conhecido, que depois desse dia tornou-se um grande amigo.
E teve uma com meu professor, semana passada.
Nos encontramos no Starbucks para conversar sobre meu roteiro. Ele chegou atrasado, de papete e meia, e foi até o balcão pedir um café. Começou comentando sobre meu roteiro, elogiando os personagens e apontando onde poderia melhorar a história. De repente, estamos conversando sobre sua vida, sobre seu passado em Kentucky, sua passagem pela marinha. Contou histórias sobre seus colegas de turma, falou sua opinão sobre filmes, sobre Hollywood, sobre o ensino de roteiro.
Contou que “nunca tinha sequer visto um roteiro antes de entrar no AFI,” nos anos 60. Falou que adora dar aulas, mas que às vezes “preferiria ensinar algo mais concreto, como… história da arte!” Falou que o ensino de roteiro faz muito mais sentido quando se trabalha com a prática, “resolvendo problemas concretos ao invés de transmitir conceitos genéricos.” E confessou que prefere não assistir a seus filmes, "pra não ver como eles cagaram tudo."
E eu fiquei ali, pensando em quantos não gostariam de estar no meu lugar, praticamente entrevistando aquele homem, que fala sem pretensão sobre sua vida enquanto derruba o café sobre as páginas do meu roteiro.
Meu professor é Tom Rickman, roterista indicado ao Oscar de Melhor Roteiro por “O Destino Mudou Sua Vida”. Seus “colegas de turma” são Frank Pierson, Paul Schrader, Terrence Malick e David Lynch. E no fim daquela conversa, reparei que em algum momento da minha vida aprendi algo que não se aprende nos livros: aprendi a ouvir.
domingo, 3 de julho de 2011
A grande ilusão
M. C. Escher "Drawing Hands" 1948 |
Pitching é a apresentação oral daquilo que é muito melhor no papel, feita por alguém que escreve muito melhor do que fala. Pitching são centenas de páginas, noites em claro, litros de café – ou do que te faça ficar acordado – condensados em uma apresentação oral em que você precisa convencer o ser à sua frente de que aquilo que ele está ouvindo é a melhor ideia que a humanidade já ouviu e ouvirá na próxima dezena de séculos. Tudo isso em dois minutos.
Pitching também é uma arte. É a arte de engabelar.
Em uma certa aula, o professor – exibindo seu Emmy sobre a mesa - simula um pitching com alguns alunos apresentando suas ideias. Depois do terceiro, ele dá o veredicto:
- Todos vocês já começaram em desvantagem. Ninguém elogiou o meu Emmy! Se alguém tivesse feito algum comentário sobre o meu prêmio, já estaria em vantagem.
É verdade, estavam todos ocupados demais defendendo suas ideias. Tolinhos!
- Uma vez um diretor chorou durante o pitching. Não sei se foi sincero ou não, mas fiquei bastante impressionado – conta empolgado outro professor.
Comento com um colega minha frustração com esse sistema. Ele tem uma resposta bem objetiva:
- As regras são essas. Não quer jogar, não joga.
E o fato é que ele tem razão. Você quer contar uma história sozinho de dentro da sua toca e não quer ninguém dando palpite? Escreve um romance. Cinema é trabalho em equipe e, como qualquer forma de arte, tem suas limitações. O pintor limita-se ao uso de cores, formas e texturas para expressar emoções. O músico limita-se ao som de seu instrumento. O cineasta limita-se ao seu orçamento.
Se seu filme precisa de milhões para ser produzido, ele tem de passar por todo esse processo. É preciso mais que uma camera na mão e uma ideia na cabeça. É preciso também um produtor de set, um motorista, um assistente de direção, um lapela sem fio, um kit de luz, um editor, um continuísta e umas bolachas recheadas pra equipe não morrer de fome. Pra isso, é preciso um orçamento. E pra isso, é preciso convencer alguém de que acreditar no seu projeto é a melhor decisão que ele já tomou e irá tomar na vida.
O jogo é esse e eles são os donos da bola. Não quer jogar, vai pra casa. Hollywood é a terra da ilusão. Seja um alto executivo de um estúdio ou uma criança na poltrona do cinema, o que se quer é ser iludido.
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