Nas orientações do início do curso no ano passado, um dos comentários da coordenadora, logo após “Estupro é proibido”, foi que as más reputações se criam muito rápido no AFI. “E depois é difícil se livrar delas”.
Naquele momento em que todos estavam “ansiosos para trabalhar com tanta gente talentosa”, a ideia de que nem tudo mundo ali é um Spielberg parecia absurda.
As reputações já estavam sendo distribuídas, é verdade, mas o que se ouvia nos primeiros dias de aula eram coisas do tipo:
- Ouvi dizer que o Eric é um gênio, tipo, gênio mesmo, superdotado.
- A Kailey é a que tem mais experiência no Avid em todo AFI.
- O Ben é o melhor diretor de fotografia do curso, sem dúvida.
- Parece que a Sam é muito boa com diálogo.
Você já falou com a Sam alguma vez? Você leu alguma coisa que a Sam escreveu? A pessoa que te falou isso já leu alguma coisa que a Sam escreveu? A pessoa que te falou isso CONHECE a Sam?
Claro que não. E daí?
Passada a exaltação inicial onde tudo é lindo, os 3.789 degraus até a biblioteca nem são tão puxados assim e a falta de ar condicionado – e de cadeiras – na sala de aula é um mero detalhe, as reputações começam a mudar.
Isso em geral acontece na terceira semana, quando os alunos começam, de fato, a ter de trabalhar um com os outros.
- Não dá pra nem conversar com Sergio. Ele é a pessoa mais arrogante na face da Terra!
- A minha produtora não tem a menor ideia do que ela tá fazendo. Não sei como ela foi aceita.
Todo e qualquer sinal de humildade também começa a ir para o espaço. Afinal, você está no AFI, o que automaticamente faz de você uma sumidade na sua disciplina – mesmo que toda sua experiência até aquele momento seja em arquitetura.
- Meu diretor não para de se meter no meu roteiro. Porra, eu sou roteirista, eu sei o que eu to fazendo! E agora tenho que ir praquela sauna praquela aula inútil e não tenho tempo pra escrever!
Com o passar do ano, boa parte do “high school drama” surgido durante aulas e filmagens acaba sendo esquecido, mas algumas pessoas seguem firmes e conseguem o título mais inconfundível que se pode receber no AFI: o de serem insuportáveis.
Uma delas é uma roteirista que adquiriu uma obsessão semi-fatal pelo meu roommate, ao ponto de ele ter de sempre se sentar entre duas pessoas no auditório para que ela não sentasse ao seu lado. Ao ponto de pessoas organizarem o almoço mandando mensagens de texto para que ela não ouvisse.
O problema desse título é que ele é vitalício, irrevogável e intrasferível.
Não importa o que ela escreva. Ninguém vai gostar. Não importa o evento. Ninguém quer que ela vá.
“Let’s all be good to each other” – foi parte do discurso de agradecimento de Kyra Sedgwick no Emmy deste ano.
Parece tão simples…
Há meses a tal garota mal fala com o meu roommate, nunca mais tentou se convidar para o almoço, nem sequer senta na mesma fileira que ele. Metade das pessoas não gostam dela por tabela, sem nunca terem-lhe dirigido a palavra.
Não importa.
Uma vez que você virou aquela pessoa de quem falar mal é o assunto do almoço, aquela pessoa de quem “falar mal está OK”, é tarde demais para voltar.
Não importa quem você é, não importa se você mudou, melhorou, aprendeu.
Ao olhar alheio, você é sempre o que o outro quer que você seja.