sábado, 20 de fevereiro de 2010

Diários de motocicleta - parte 2


Depois de uma longa e mal-sucedida busca por lâmpadas 12V/35W/35W pelas lojas  do ramo em Los Angeles, acabo recorrendo a um misterioso site especializado em scooters. Surpreendentemente, antes do prazo estipulado, as duas lâmpadas estavam na minha casa. (Sim, comprei duas, já prevendo que tudo poderia acontecer no trajeto estoque-minha casa).
Com a scooter funcionando, resolvo agendar a prova de direção (de carro) para ter a carteira de motorista da California de uma vez por todas. Persigo um amigo que preencha todos os quesitos. Kim e sua Mercedes (apelidada de Little Doggy) resolvem me ajudar. 
Chega o dia 12 de novembro, o dia da prova. Antes de sair de casa, tento imprimir o comprovante de agendamento. Quem disse que o encontro? Procuro por todos as pastas no computador, entro no site do DMV, até que, enfim, descubro que a prova não foi agendada.
Programo uma nova tentativa para o dia 1 de dezembro. Chego no DMV, apresento meus documentos, Kim apresenta os dele… e onde está o seguro do “Little Doggy”? 
- Sem o comprovante do seguro você não pode fazer a prova.
Kim liga para sua mãe. Está com ela. O atendente do DMV dá o veredicto:
- Puxa, você até poderia passar um fax, mas nosso aparelho não está funcionando. Você vai ter de remarcar.
Claro.
Remarco a prova para o dia 17 de dezembro. Dois depois, me dou conta que temos aula no dia 17 de dezembro. Deixa pra 2010. Remarco novamente. 20 de janeiro.
Volto de férias do Brasil, e descubro que Frank Darabont virá dar uma palestra no AFI. Que dia? 20 de janeiro, é claro.
Remarco novamente. 5 de fevereiro. Arrasto Kim e "Little Doggy” ao DMV mais uma vez. Apresento os documentos, tudo OK. Agora vai! Sento no carro e aguardo o avaliador. Chega uma avaliadora.
- Bom dia – digo.
Ela ignora.
- “Permit”?
Apresento meu documento mais uma vez, ela checa o papel.
- Demonstre os sinais com o braço.
Coloco os braços para fora e faço os sinais.
- Esquerda, direita, pare.
- Está incorreto – ela responde, enquanto entra no carro.
Dizer como seria o correto, nem pensar!
- Você tem que desligar o rádio.
Obedeço. Ela se prepara para fechar a porta do carro, e então:
- Onde está a maçaneta interna?
- Quebrou.
- Como assim? Precisa ter maçaneta!
Nem tento discutir. Se ela tentar me convencer de que ter maçaneta interna é uma “questão de segurança”, juro que desço do carro. 
Ela analisa o caso e, contrariada, me deixa prosseguir. Começo a demonstrar onde estão todos os ítens importantes do carro (limpador, faróis etc.)
- Onde está o “defroster”?
Meu Deus, o que é mesmo o defroster???
- Não tenho idéia.
- Você pelo menos sabe pra que serve o “defroster”?
Se eu lembrasse a tradução, sem dúvida saberia para o que serve! Começo a me explicar, ela me interrompe e me manda ligar o carro para seguir a prova. 
Nesse momento começo a pensar que ela provavelmente sorriu pela última vez em 1992, logo após ter feito sexo pela última vez. 
Vinte minutos depois, estou de volta do lento passeio pelas ruas de Hollywood, ao lado de minha agradável companhia. 
Estaciono o carro. Ela faz diversas anotações em seu papelzinho e começa:
- Bom, na saída do estacionamento, você fez uma curva muito fechada, saindo da área da guia rabaixada. Só por isso você já teria sido reprovado. 
Não contente, ela se empolga:
Depois, suas conversões à esquerda foram muito lentas. O carro atrás de você também precisa pegar o farol aberto! Naquele outro cruzamento, a preferencial era sua e você demorou para seguir. Na hora de dar ré, você apenas checou os retrovisores, não olhou pra trás! E na hora de mudar de faixa, você reduziu a velocidade! Isso é tão perigoso quando dirigir em alta velocidade!
Não me conformo que serei reprovado por dirigir com excesso de cautela. Ela, certa de que sou uma ameaça ao pseudo-caótico trânsito de Los Angeles, dá o verdicto com prazer:
- Você terá de refazer a prova.
Ela desce do carro, realizada. Conto o ocorrido ao Kim. Ele ri. “Bem-vindo a Los Angeles”. Ele tenta me animar, insiste para que eu remarque a prova e diz que ele e “Little Doggy” estarão comigo nessa odisséia até o fim! E me explica também que "defroster" é o desembaçador. Lógico!
Tudo bem. No fundo, não muda muito minha vida. Afinal, tecnicamente não preciso passar nessa prova para dirigir legalmente em LA.
Kim me deixa em casa. Decido ir dar uma volta com a scooter. 
Quem disse que ela liga?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Diários de motocicleta - parte 1


Los Angeles sempre foi conhecida como uma cidade onde é imprescindível ter um carro. O corpo docente do AFI confirma a teoria – mas sempre lembrando que há poucas vagas no estacionamento do campus!
Antes de tomar qualquer grande decisão em relação a meios de transporte, resolvo comprar uma bicicleta, na esperança de percorrer diariamente os 5 km que separam a minha casa e o AFI – estrategicamente posicionado no alto de uma interminável colina. 
Tento enviar uma solicitação para o “bilhete único” estudantil à empresa de ônibus, juntamente com toda documentação necessária, foto e um cheque de US$1.00. Ainda aguardo resposta.
 
Depois de muita – MUITA! – indecisão, resolvo comprar uma scooter. Mamãe ficou bem feliz. Tento explicar que o super-veículo atinge a exorbitante velocidade de 50 km/h (na descida), e que o trânsito aqui é bem diferente da loucura de São Paulo. Mas acho que foi em vão.
Não preciso nem me preocupar em como me desfazer da bicicleta, uma vez que ela é roubada na semana seguinte – de dentro da gargem do prédio.
Motoca na mão, falta tirar a carteira de motorista. Faço a prova escrita e só com isso já tenho um permit que me autoriza a dirigir durante o dia. Como tenho aulas à noite, agendo a prova prática o mais rápido possível para poder, enfim, não depender mais de caronas ou do imprevisível sistema de transporte público.
Três semanas e duas voltinhas em volta de cones depois, já tenho o protocolo em mãos. A atendente do DMV (algo como o DETRAN daí), está confusa:
- Você não vai marcar a prova prática com o carro?
- Eu não tenho carro.
Silêncio.
- Mas para ter a carteira de motorista você precisa fazer a prova com o carro. Você pode agendar pela internet.
- Eu não posso dirigir a moto só com esse protocolo?
- Hum… Até pode, mas você precisa vir renovar esse papelzinho aqui pessoalmente de 2 em 2 meses.
Bacana!
- E o que eu preciso para fazer a prova?
- Você precisa vir com um carro em perfeitas condições de segurança, registrado, segurado e acompanhado de um motorista com carteira de motorista da California. 
Ah, tá.
- OK, vou pensar, então.
Apesar de tudo, volto pra casa empolgado, afinal, agora posso dirigir a qualquer hora do dia. Até que minutos antes de estacionar, percebo que o farol da scooter – daqueles que não se acha pra vender em lugar nenhum – parou de funcionar. 
Tudo bem, o ponto de ônibus continua a duas quadras casa…