quinta-feira, 31 de julho de 2014

A Copa do mundo é minha

Eu nunca fui muito fã de futebol.

Brincava de gol-a-gol quando era pequeno, cheguei a fazer escolinha na segunda série... mas parei por aí.

Mesmo assim, eu adoro a Copa. Sempre gostei da ideia de boa parte do mundo com os olhos voltados a um único evento – que não fosse uma guerra ou um acidente de avião.

Minha primeira Copa de verdade foi a de 94. Lembro-me de praticamente todos os jogos, a maioria deles visto com os vizinhos do prédio, com uma overdose refrigerante e amendoim japonês, seguida quase sempre de uma leve dor de barriga.

O empate com a Suécia na primeira fase, a cotovelada do Leonardo nas oitavas, o gol “cala a boca” do Branco no jogo tenso contra a Holanda... E, é claro, o inesquecível pênalti de Baggio e os gritos de "É tetra!" de Galvão Bueno. Mal sabia eu que 17 anos depois estaria naquele mesmo estádio, assistindo – veja só – a um jogo de futebol americano.

Até hoje tenho guardada a camisa do Brasil (que não era do Brasil, mas de algum banco ou empresa de tintas) com todos os nomes dos vizinhos assinados, consolidando em um pedaço de pano aquele mês tão inesquecível.

Vinte anos e um título depois, chega mais uma Copa. Surgem as legiões de fanáticos, com orgulho de serem brasileiros; surgem os pessimistas, a espera do caos aéreo, dos ingressos falsos e dos turistas assassinados. Surgem os bolões – impossíveis de acertar. E surgem também as intensas trocas de figurinha.

Como crianças na hora do recreio, de uma hora para outra, marmanjos começam a se reunir nos bares, no cafezinho, na mesa de trabalho, ávidos pelos cromos faltantes.

Comecei a colecionar o álbum quando senti que precisava de uma atividade que rompesse o ciclo computador-do-trabalho/celular/computador-de-casa. Qualquer atividade offline me pareceu atraente, e quando vi um álbum jogado na casa dos meus pais, achei que tinha encontrado a resposta.

Na produtora onde trabalho, em um andar com 300 funcionários, a máfia das figurinhas rolou solta. Bolos presos em elásticos passeavam de mesa em mesa, com homens e mulheres, de 20 a 50 anos, cada um a sua maneira, checando os números que faltavam numa folha de papel, num aplicativo ou num post-it.

Imperava o sistema de confiança. “Toma, eu peguei 6.” “Beleza, eu peguei 10. Pega mais 4 aí.” “Não precisa, depois a gente acerta.”

Sem perceber, passei a conhecer uma pessoa nova a cada dia. Passei a dar mais bom dia.

Descobri que uma colega é polonesa; trocamos dez figurinhas e conversamos sobre o jogo de vôlei entre nossas seleções, que ocorria ao vivo naquele momento (sim, existiam outros jogos rolando além da Copa.) Descobri que um colega estudou documentário na Argentina; me contou que dirigiu um curta-metragem sobre a morte e me prometeu conseguir a figurinha 34.

Outro colega procurava freneticamente a figurinha 241 – a última que faltava. Todo o andar se uniu em busca pelo derradeiro cromo. Ganhou a figurinha de presente de um funcionário a 18 baias de distância.

Dos odiadores de plantão, ouvi diversos comentários do tipo: “Que absurdo! Onde já se viu? Um monte de marmanjo trocando figurinha na hora do almoço!”

Seria melhor um monte de marmanjo isolado ao telefone?

Nos dias de jogo, a festa era certa. Mesmo com trânsito, mesmo com 7x1, dia de jogo era dia de sorriso. Era dia de encontrar os amigos, de torcer, de fazer charutinho de kafta com gorgonzola na churrasqueira e até de conhecer gente nova.

Foram 32 dias, 64 jogos: 64 chances de quebrar a rotina, de viver um dia diferente dos outros 333.

Pra mim, a Copa é isso. Seja no Brasil, na Rússia ou na Eritreia, a Copa tem pouco a ver com futebol. Tem a ver com as pessoas. Tem ver com os momentos.

Eu já costumo interagir bastante com as pessoas ao meu redor, já costumo festejar os dias mais cinzentos. 

Imagina na Copa!